
A grande mobilização pela Global Sumud Flottilla é um termômetro do clima social. E nos diz que ainda há espaço para a humanidade
O que aconteceu em Gênova por estes dias (fins de agosto) foi algo bastante anormal, para não dizer excepcional. Um crescente movimento de solidariedade internacional com o povo de Gaza começou com recolha de alimentos e culminou, na noite de sábado 30 de agosto, com uma grande manifestação que acompanhou a partida dos quatro barcos que participarão na Global Sumud Flottilla. A flotilha tentará levar ajuda humanitária a Gaza e quebrar o isolamento.
Este é um relato a quente, muito parcial, do que aconteceu na minha cidade e sobre o qual considero necessário refletir. A Music for Peace (associação que há anos recolhe alimentos e ajuda em geral para as populações de locais em conflito, da Palestina ao Sudão, para citar talvez os mais significativos, e para as pessoas carentes da cidade) decidiu participar na frota recolhendo ajuda alimentar. Juntamente com a MfP, entre os primeiros promotores estão os portuários do Coletivo Autônomo de Trabalhadores Portuários, o Calp.
No porto, após anos de protestos contra os navios sauditas que passavam por aqui para levar armas para a guerra no Iêmen, os recentes protestos contra o navio chinês que deveria entregar material bélico em Israel e contra o enésimo navio saudita representaram um salto de qualidade. Em ambos os casos, de fato, os portuários, com uma atenção crescente da população, conseguiram impedir a passagem de armas pelo porto. Essa mesma atenção cresceu exponencialmente nos últimos dias: após o apelo dos promotores para coletar 40 toneladas de alimentos para enviar a Gaza, a cidade se mobilizou de maneira incomum. Comitês sindicais, de bairro, associações, escoteiros, clubes esportivos e muitos cidadãos individuais lotaram a praça em frente à sede da Music for Peace. O material arrecadado chegou a quase 300 toneladas, tanto que os promotores tiveram que pedir para interromper a coleta, pois não havia mais espaço para armazenar os alimentos. Os voluntários que se apresentavam para embalar e carregar os alimentos foram gentilmente recusados, pois eram muitos e atrapalhavam a organização.
Neste clima de crescente mobilização, chegou-se ao cortejo da noite de 30 de agosto. Um cortejo que se realizou às 21 horas de um sábado. A polícia parece falar de 40.000 pessoas. Na cidade vivem agora menos de 570 mil habitantes. Uma manifestação popular que eu não via em Gênova desde o G8, há quase 25 anos. Uma mistura de cidadãos de todas as gerações, com uma idade média bastante baixa, o que é raro para uma cidade muito envelhecida como Gênova. Os organizadores pediram que fossem levadas apenas bandeiras da Palestina. Às quais se juntaram espontaneamente as bandeiras da paz. Um apelo quase inútil: que outras bandeiras podem representar este povo neste momento?
No final da marcha, um ex-parlamentar do Partido Democrático afirmou: “Se esta manifestação tivesse sido convocada pelo PD e pela CGIL, teríamos sido duzentos”. Talvez não duzentos, mas talvez um pouco mais de mil.
A mistura de espontaneidade e organização de baixo para cima foi evidente. Acho que um fator decisivo para uma mobilização tão ampla foi o objetivo concreto da ajuda, além do objetivo político de contestar realmente um genocídio que poucos reconhecem. Pessoas que não iam à rua há muito tempo, cujos gritos eram apenas “Palestina livre” e “Bella Ciao”. Muitos cartazes improvisados, mas precisos e irônicos, como costuma acontecer quando uma mobilização se espalha por amplas camadas populares. Um enorme cortejo para Gênova, que nos diz o que estava latente há tempo, pelo menos sobre este tema, e a vontade ou disponibilidade de voltar às ruas, protestar, mobilizar-se em carne e osso. Juntos.
Um cortejo com um percurso até mesmo incomum. Partiu da sede da MfP para percorrer a via elevada, uma estrada sempre fechada aos pedestres, e chegar ao porto antigo. No trecho, onde os trens emergem entre dois longos túneis, havia maquinistas que buzinavam suas locomotivas para saudar os manifestantes. Do outro lado, no mar, os portuários do grupo armador GNV, após o término do turno noturno de embarque das balsas, saudaram com buzinas. Em suma, um clima de apoio generalizado, que me lembrou o apoio recebido no Corso Torino e no Corso Sardegna durante a última marcha do G8, após os confrontos que incendiaram essas ruas, um apoio surpreendente dos moradores que, de suas janelas, jogavam água para refrescar os manifestantes naqueles dias quentes e trágicos de julho de 2001.
O epicentro nestes dias, porém, foi a sede da MfP, um local entre Sampierdarena e o centro. Um lugar sufocado pelo tráfego de veículos, escritórios durante o dia e prostitutas à noite, agora dominado pela chegada da Esselunga. Um local que, em sua (r)existência como espaço social, no cruzamento de tráfego intenso, conseguiu atrair milhares de pessoas de toda a cidade.
Foi impressionante ver a concentração de pessoas naquele lugar incomum. A MfP organiza suas festas lá há anos, mas o salto em quantidade no sábado foi indiscutível.
A marcha, aqui estão alguns vídeos, terminou no Porto Antigo, em frente aos barcos prontos para partir. Muitas intervenções atrás de uma bandeira palestina gigante hasteada nas velas dos barcos. O público era numeroso, apesar da hora tardia e do cansaço da caminhada. Entre os mais apreciados, o do principal animador do Music for Peace, Stefano Rebora, com a voz cansada pelo esforço dos últimos dias. Em seguida, o histórico portuário Riccardo Rudino, que anunciou que, se a ação de apoio ao povo palestino for impedida, os portuários não só bloquearão as armas para Israel, mas bloquearão tudo o que tiver esse destino.
A prefeita Silvia Salis destacou que uma cidade medalha de ouro pela Resistência não pode deixar de apoiar aqueles que resistem. O representante da Cúria genovesa falou sobre como, desde a época do G8, nesta cidade se acredita que outro mundo é possível. As conclusões foram deixadas ao artista Pietro Morello, que pediu a todos que não se calassem e convidou a cantar pela última vez Bella Ciao. Finalmente, a partida dos barcos, anunciada pelos fogos de artifício dos portuários do Calp e seguida por uma multidão emocionada e grata que os acompanhou com o olhar até onde pôde.
Escrevo este artigo não só porque fiquei entusiasmado (é compreensível, certo?), mas precisamente porque não é fácil eu ficar entusiasmado. Para a minha cidade, penso que foi um momento importante. Não sei o que isso pode significar para o futuro e para outras cidades, mas parece-me um possível termômetro do clima social. Espero que não seja apenas uma anomalia passageira. Em tempos difíceis, há sempre espaço para o inesperado, o surpreendente. Em suma, para a humanidade.
Marco Bertorello trabalha no porto de Gênova, colabora com o manifesto e é autor de ensaios sobre economia, moeda e dívida, entre os quais Non c’è euro che tenga (Alegre, 2014) e, com Danilo Corradi, Capitalismo tossico (Alegre, 2011) e Lo strano caso del debito italiano (Alegre, 2023).