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Ecossocialismo: o novo manifesto da IV Internacional

por Michael Löwy
Foto da capa da edição brasileira do Manifesto por uma Revolução Ecossocialista
O Manifesto por uma Revolução Ecossocialista foi publicado no Brasil pela Boitempo.

O novo Manifesto da IV Internacional já está disponível pela editora Boitempo. O texto é um documento que marca uma nova etapa na história do movimento fundado em 1938 por Leon Trotsky e seus camaradas.

Desde o Manifesto dos Iguais (1796) de Babeuf e o Manifesto Comunista (1848), muitos documentos desse tipo surgiram ao longo da história do movimento operário. Alguns, como o de Marx e Engels em 1848, marcaram gerações de leitores. Outros foram rapidamente esquecidos... Apesar de suas diferenças, eles compartilham certas características:

• o desejo de levar ao conhecimento de todos uma nova proposta,

• um resumo das principais análises, bem como do programa e da estratégia de um movimento político,

• uma linguagem acessível ao maior número de pessoas,

• a interação entre análises da conjuntura e a afirmação de alguns princípios fundadores.

Podemos considerar que o texto fundador da Quarta Internacional, A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da IV Internacional, conhecido como Programa de Transição (1938), como um manifesto, mesmo que esse termo não conste em seu título. A IVInternacional designou vários outros documentos como manifestos: por exemplo, em 1948 foi publicado o Manifesto do Segundo Congresso da Quarta Internacional: Contra Wall Street e o Kremlin. Pelo programa do Manifesto Comunista. Pela Revolução Socialista Mundial, que marca sem dúvida uma virada em relação ao que Leon Trotsky havia previsto em 1938 (1). O mesmo se aplica a Socialismo ou Barbárie. Às Vésperas do SéculoXXI. Manifesto da Quarta Internacional, de 1993, que toma nota do desaparecimento do chamado “socialismo real”. 

Um manifesto do nosso tempo

O novo Manifesto pela Revolução Ecossocialista procura esboçar pistas para compreender e agir diante dos desafios de nossa época. Ele tem, com efeito, muito em comum com os de 1938, 1948 e 1993: como eles, propõe uma análise marxista da conjuntura, tanto econômica quanto social e política, um “programa de transição” (segundo o método definido por Trotsky), uma estratégia revolucionária e um horizonte socialista. Mas ele apresenta particularidades que o distinguem dos textos anteriores.

Enquanto o Programa de Transição de 1938 foi redigido por Leon Trotsky e o Manifesto de 1993, em grande parte, por Ernest Mandel, o novo Manifesto da Internacional é o produto de um trabalho coletivo, que durou mais de um ano, e no qual se investiram camaradas do Norte e do Sul Global, sob a coordenação de Daniel Tanuro.

O Manifesto de 1938 afirmava que “as forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos já não conduzem a um aumento da riqueza material”. O que constituía, segundo o documento, uma “premissa econômica” da revolução proletária (2). Independentemente do que se possa pensar sobre a validade desse julgamento em 1938, no pós-guerra não se podia mais negar que as forças produtivas continuavam a crescer e que se assistia, no âmbito do capitalismo, a um “aumento da riqueza material” – certamente usurpada por uma minoria de exploradores (3).

Ora, em 2025, para o novo Manifesto, esse “aumento da riqueza material”, esse crescimento capitalista sem limites e sem fronteiras, é precisamente o que deve ser combatido: “romper com o crescimento capitalista”! É também uma ruptura com uma certa concepção do progresso, da riqueza material e do “desenvolvimento das forças produtivas”. Essa mudança é a expressão de um fato evidente: a crise ecológica representa, em 2025, uma ameaça existencial para a humanidade, o que não era de todo o caso em 1938.

O lugar da ecologia

A IV Internacional tomou consciência progressivamente do desafio ecológico. Ausente dos manifestos de 1938 e 1946, a questão está presente no de 1993, mas de forma limitada: trata-se de um capítulo entre os 22 do documento, e preocupa-se principalmente com a poluição e o esgotamento dos recursos naturais. A virada ocorreu em 2003, no 15ºCongresso, com a resolução “Ecologia e socialismo”, a primeira na história da Internacional a ter a crise ecológica como tema central. O termo “ecosocialismo” também aparece aqui pela primeira vez, para descrever uma das correntes da esquerda ecológica, com a qual nos identificamos:

Em ruptura com a ideologia produtivista do progresso – na sua forma capitalista e/ou burocrática (de um dito “socialismo real”) – e oposto à expansão infinita de um modo de produção e consumo destrutivo do meio ambiente, o ecossocialismo representa, no movimento operário e na ecologia, a tendência mais sensível aos interesses dos trabalhadores e dos povos do Sul, aquela que compreendeu a impossibilidade de um “desenvolvimento sustentável” no quadro da economia capitalista de mercado. (4)

O documento de 2003 também traça um balanço crítico do atraso da IV Internacional na compreensão e abordagem da questão ecológica. Uma seção intitulada “A IV Internacional e a crise ecológica” é dedicada a esse balanço “autocrítico”: 

“Como foi o caso da maioria dos partidos do movimento operário, essa questão não foi abordada nos primeiros anos de existência da nossa Internacional. Seria inútil procurá-la, por exemplo, no Programa de Transição, que é o documento programático básico do congresso de fundação em 1938. No período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, os marxistas revolucionários não ignoraram de forma alguma a destruição do meio ambiente e a poluição do ar e da água. Mas esses fenômenos eram considerados apenas como uma das consequências nefastas de um sistema explorador e desumano, e não eram percebidos como um fenômeno global que ameaça destruir as próprias bases de toda a vida. [...]”

A maioria das seções só começou a se preocupar com as questões ecológicas quando elas ganharam as manchetes da imprensa, na sequência das ações de outras forças. Como resultado, o debate dentro da Internacional foi relativamente lento. Enquanto outras correntes e indivíduos discutem a questão da ecologia e do socialismo há décadas, os marxistas revolucionários permaneceram bastante silenciosos.

Outro passo importante foi dado no 16ºCongresso, em 2018, quando o ecossocialismo foi adotado como orientação da Internacional – ele aparece no título da resolução: “A destruição capitalista do meio ambiente e a alternativa ecossocialista”. O documento foi dedicado “à memória de Berta Cáceres, ativista indígena ecologista e feminista de Honduras, assassinada em 3 de março de 2016 por capangas das multinacionais, bem como a todos os mártires das lutas pela justiça ambiental” (5).

A questão do decrescimento

Essa resolução já colocava a imperatividade do decrescimento – em uma seção intitulada cautelosamente “Debates em curso, esclarecimentos, questões em aberto” –, ao mesmo tempo em que sinalizava que não se tratava de um programa ou projeto de sociedade, uma vez que nada dizia sobre as relações de produção e propriedade (6). 

No Manifesto de 2025, o decrescimento já não é uma “questão em aberto”, mas uma necessidade incontornável. É afirmado logo no título do documento, que relembra o imperativo de “romper com o crescimento capitalista”. O decrescimento justo e ecossocialista, no entanto, leva em conta o desenvolvimento econômico desigual e combinado: “O consumo final mundial de energia deve diminuir radicalmente – o que implica produzir menos e transportar menos em escala mundial – ao mesmo tempo que deve aumentar o consumo de energia nos países mais pobres, para satisfazer as necessidades sociais” (7).

Dito isto, os países pobres também podem contribuir para o decrescimento ecossocialista global, eliminando o consumo ostensivo da elite parasitária, lutando contra os megaprojetos ecocidas e a destruição dos biomas pelo agronegócio e pela indústria minerária (8).

Manifesto de 2025 baseia-se nas conquistas das resoluções ecológicas das duas décadas anteriores, mas distingue-se por vários aspetos:

• a consciência aguda do perigo: o ecossocialismo é necessário se quisermos “salvar a humanidade de uma catástrofe ecológica sem precedentes na história da humanidade”. 

• a necessidade de “atualizar as análises do marxismo revolucionário”. 

• o reconhecimento da necessidade de uma “ampla refundação” do nosso programa e da nossa estratégia, uma verdadeira “reformulação do projeto socialista”.

• doravante, a superação da “ruptura metabólica” (Marx) entre as sociedades humanas e a natureza, o respeito pelos equilíbrios ecológicos, “não são apenas capítulos do nosso programa e da nossa estratégia, mas o seu fio condutor”. 

• uma reflexão mais aprofundada sobre o nosso projeto de civilização alternativa, “o mundo pelo qual lutamos”.

Manifesto pela Revolução Ecossocialista é o documento mais sistemático e aprofundado da IV Internacional no século XXI. Mas não se apresenta como “a palavra final”. Pretende ser uma contribuição para o debate, aberta à discussão e às críticas. (26/9/2025)

notes

1) Por exemplo, o diagnóstico de um “desespero” e de um “impasse” da burguesia internacional e de uma “agonia” do capitalismo.

2) Programme de transition (1938), Paris, Éditions de la taupe rouge, p. 20.

3) Somente de um ponto de vista economicista, burguês e imperialista é que se pode considerar os anos de 1945 a 1975 como os Trinta Gloriosos. Gloriosos para quem? Certamente não para a maioria da humanidade, submetida a brutais guerras coloniais na Ásia (Indochina) e na África (Argélia, colônias portuguesas), a sangrentas ditaduras militares na América Latina e a regimes fascistas em vários países da Europa (Portugal, Espanha, Grécia). 

4) “Écologie et socialisme”, seção “Le mouvement ouvrier et l’écologie”

5) Inprecor n.º 664, março de 2018, p. 3.

6) Ibid, p. 34.

7) Manifeste pour une révolution écosocialiste: rompre avec la croissance capitaliste, Paris, La Bèche, 2025, p. 18.

8) Ibid, pp. 54-55.

   

المؤلف - Auteur·es

Michael Löwy

Michael Löwy é sociólogo, filósofo marxista e ecossocialista e membro da IV Internacional. Seus livros incluem Marxism and Liberation Theology (Amsterdã: Instituto Internacional de Pesquisa e Treinamento, 1989) e The Struggle of the Gods - Liberation Christianity and Politics in Latin America (Paris: Van Dieren, 2019).