Feministas argelinas nas fronteiras da solidariedade
11 de junho de 2025, aeroporto de Argel. Quatro malas estão alinhadas na esteira de controle. Dentro delas, não há bandeiras nem faixas: apenas roupas neutras, trajes de banho e baterias portáteis. Sarah Lalou, Yakouta Benrouguibi, Doha A. e Amel Hadjadj fingem ser turistas. Seu verdadeiro objetivo? Participar da Global March to Gaza (Marcha Global para Gaza), uma mobilização internacional para quebrar o bloqueio de Gaza.
Amel Hadjadj
Na Argélia, onde as manifestações são rigorosamente controladas, nossa participação é uma aposta. No entanto, em 48 horas, o movimento feminista argelino se auto-organizou para tornar possível essa missão: garantir os vistos de acordo com opções estratégicas, comprar as passagens, entrar em contato com as companheiras no Egito e elaborar um plano de comunicação seguro.
6 de junho
Preparar o impossível: logística e irmandade, em um movimento relâmpago
A decisão de participar em nome do movimento feminista foi tomada às pressas, após uma conversa por telefone no início de junho com a diretora e atriz argelina Adila Bendimerad, que me disse: “A força das massas pode exercer pressão, e não temos o direito de ficar ausentes diante da atrocidade que os palestinos estão vivendo”.
Eu me perguntei: é uma ação que faz sentido ou apenas agitação? O que isso pode trazer para essas milhares de pessoas sob as bombas? Eu tinha dificuldade em decidir. Então, consultei minhas companheiras feministas para ver quem aceitaria me acompanhar nessa marcha de três dias pelo deserto egípcio até Rafah.
Louisa Aït Hamou, Soumia Salhi, Fatma Oussedik – todas receberam com entusiasmo essa nova forma de ação em massa, um internacionalismo renovado que não se limita ao ocidentalismo. Todas queriam participar, mas recuaram diante das condições físicas, devido à idade.
Multipliquei os apelos às minhas camaradas da minha geração. Algumas estavam reticentes, outras dispostas, mas impedidas pelas suas situações – maternidade, responsabilidades imediatas. A minha decisão cristalizou-se ao ouvir a intervenção da eurodeputada franco-palestina Rima Hassan, falando a partir do barco Madleen da Flotilha da Liberdade:
“Estamos tentando levar o mínimo. Não será suficiente para atender às necessidades dos habitantes de Gaza, mas simbolicamente abrirá uma brecha e pressionará os Estados que não agem concretamente”.
No início, juntei-me ao grupo da delegação de artistas constituído por Adila Bendimerad: partilha de informações, transmissão de mensagens dos organizadores da Marcha Global, acompanhamento e análise da trajetória da caravana Soumoud e da frota. Por outro lado, as mensagens continuam circulando entre as minhas amigas feministas.
9 de junho
Formar uma equipe
Três dias após a compra da minha passagem aérea, no dia em que a Flotilha da Liberdade foi sequestrada em águas internacionais pela entidade sionista, duas camaradas feministas, Yakouta e Sarah, entraram em contato comigo para informar que estavam disponíveis para a Marcha Global. Decidi então, com as outras integrantes do Jornal Feminista Argelino, centralizar as informações, sair das comunicações telefônicas bilaterais e redigir um e-mail para todas as nossas parceiras do movimento feminista, especificando a necessidade de ajuda para levar adiante essa ação.
As respostas não demoraram a chegar: logo nos primeiros minutos, várias pessoas explicaram que estavam pensando em participar, mas tinham dificuldade em acessar informações concretas. Não houve uma única resposta negativa. Cada uma tentou contribuir com o que podia: um contato, a compra de uma passagem, uma bateria portátil, uma mensagem de apoio, um conselho...
Foi um momento que nos lembrou que este movimento não é uma reprodução do feminismo branco ou burguês: é um movimento profundamente anticolonialista e decolonial. Em toda a nossa diversidade, partilhávamos a mesma raiva e a mesma energia, ativas, prontas a correr todos os riscos pelos povos oprimidos.
10 de junho
De manhã, uma camarada feminista, Lyna TBD, nos informa que outra jovem feminista, Doha, está tentando partir e gostaria de se juntar a essa mini-delegação. O resto das camaradas foram informadas, e uma nova corrida começa para integrar a jovem Doha ao grupo.
11 de junho à noite
Embarcando para um ato de solidariedade
Enquanto nos preparávamos para embarcar no avião, chegou a notícia: expulsões e controles excessivos se multiplicavam no Egito. Foi como um golpe de trovão. Pânico nas duas delegações que partiam juntas (artistas e feministas). Então, nos recompusemos.
A orientação é clara: não recuar, permanecer vigilantes, fingir ser turistas, como planejado. Entre 12 e 15 de junho, os organizadores deveriam negociar as autorizações para partir para Rafah. Também era preciso trocar a nossa bagagem, tendo em vista as revistas esperadas no aeroporto do Cairo: tirar as bandeiras, remover as tendas e os sacos de dormir, preparar malas com coisas de turistas.
Naquele dia, o comunicado que deveríamos divulgar assim que chegássemos a Rafah foi finalizado, submetido à assinatura e traduzido.
As informações sobre os controles e riscos de expulsão levaram as companheiras egípcias a nos oferecer hospedagem em suas casas. Imane, minha amiga egípcia, entrou em contato comigo e insistiu, apesar de eu ter explicado e repetido que corríamos o risco de ser retidas por horas no aeroporto do Cairo: “Quando vocês estiverem na minha casa, vamos todas dormir para recuperar as energias”.
Chegada ao Cairo: controle, vistos, revista
No aeroporto do Cairo, a tensão foi imediata. A obtenção dos vistos e a passagem pela polícia de fronteira levou horas. Os controles foram reforçados, as bagagens revistadas nos mínimos detalhes: carregadores, objetos pessoais. Cada objeto foi examinado; cada gesto, vigiado.
Nós permanecemos firmes, repetindo incansavelmente: “Estamos aqui para fazer turismo”. Enquanto esperávamos nossa vez, testemunhamos uma cena assustadora: um grupo de argelinos foi deportado. Eles gritavam slogans de resistência em meio a um corredor guardado por policiais fortemente armados, equipados como se estivessem prontos para a guerra.
Sua presença imponente e sua postura marcial lembram a militarização do controle das fronteiras nos chamados Estados autoritários, onde a repressão das vozes dissidentes é exercida por meio de violência física e psicológica sistemática. No entanto, essa militarização e vigilância reforçada não são exclusivas dos regimes autoritários: nas chamadas democracias, o controle das fronteiras pode ser mais sutil, mas continua igualmente violento, em particular através da imposição de políticas migratórias racistas e discriminatórias que restringem o direito fundamental à livre circulação.
Esta cena de expulsão ilustra brutalmente a dimensão política da nossa viagem. O controle estatal não se limita à simples gestão dos fluxos de visitantes, mas insere-se numa lógica de segurança que visa sufocar qualquer forma de contestação ou solidariedade internacional suscetível de pôr em questionamento a ordem imperialista e colonial.
12 de junho
A recepção de Imane: um refúgio fraterno
Só por volta das 6 da manhã é que finalmente saímos do aeroporto, exaustas, mas aliviadas.
Lá fora, o táxi para ir à casa de Imane nos espera. Ela insistiu: não devemos ir para um hotel, é muito perigoso por causa dos controles e da vigilância. A casa dela se torna nosso primeiro refúgio. Dormimos algumas horas para recuperar as forças.
Organizar-se, declarar-se, permanecer cautelosas
O dia é dedicado inicialmente ao descanso e às formalidades necessárias.
A Global March to Gaza nos pediu para declarar nossos nomes, o que fazemos. Também entramos em contato com a embaixada da Argélia no Egito, que nos ouve e garante um acompanhamento cauteloso, sem prometer proteção direta em caso de prisão.
O sit-in (protesto sentado) no sindicato dos jornalistas: um primeiro ato coletivo
No final da tarde, por volta das 19h, nos juntamos discretamente ao sit-in (protesto em que participantes ficam sentados) em frente ao sindicato dos jornalistas egípcios, guiadas por nossas companheiras egípcias.
Ao nosso redor: militantes da esquerda egípcia, jornalistas, ex-presos políticos. Os slogans exigem a autorização da Marcha Global, o fim do bloqueio e o fim da cumplicidade dos Estados.
Tentamos nos misturar à multidão, passar por egípcias, mas a prudência é necessária, a tensão é permanente.
As instruções dos organizadores: esperar pelo ponto de partida
Tarde da noite, os organizadores nos anunciaram: o local de partida será comunicado no dia seguinte, às 10h30. Permanecemos em alerta, prontas para agir, conscientes dos riscos.
13 de junho
O dia em que tudo mudou
Um café da manhã cheio de significado
Antes de receber as instruções para nossa partida, compartilhamos um momento de suspense: um café da manhã palestino com a mãe de Bissan Aouda, a contadora de histórias, criadora de conteúdo e jornalista de Gaza, conhecida por sua frase que atravessou telas e fronteiras: “I’m Bissan, I’m still alive” (Eu sou Bissan, ainda estou viva). »
A mãe de Bissan, refugiada no Cairo há alguns meses, está lá com suas quatro irmãs e dois irmãos, todos arrancados de suas raízes pela violência da guerra. Juntos, eles tentam reconstruir uma aparência de vida cotidiana, longe de Gaza, mas com o coração sempre voltado para sua terra.
Em torno desta refeição simples e forte – pão fresco, azeite, zaatar (1), azeitonas, labneh – as conversas são intensas. A mãe de Bissan nos falou das condições de vida dos refugiados palestinos no Cairo, das provações diárias, do exílio que se prolonga sem resposta.
A conversa passa para a visão política das mulheres palestinas, a dor das perdas recentes, mas também a incrível força das mulheres na continuidade da luta. Ela evoca o que significa resistir hoje: “Resistimos pela vida, pela reprodução, pela recusa do extermínio. Cada criança que nasce é um não ao apagamento”.
Este momento nos comoveu profundamente. Ele nos lembra que nossa marcha, nossos atos, nossos slogans são apenas um fio entre muitos outros nesta imensa tapeçaria de lutas, carregada diariamente por essas mulheres.
10h30
Instruções para a partida para Ismailia
As instruções chegam: impossível partir para Al Arish a partir do Cairo, temos que nos aproximar o máximo possível, Ismailia se torna nosso próximo destino. Temos que partir em pequenos grupos, de táxi, disfarçados de turistas.
Yakouta Benrouguibi, jurista e ativista feminista, relê as leis egípcias e lembra a gravidade dos riscos previstos em caso de prisão: “Tentativa de atravessar zona militar, atentado à segurança do Estado” podem levar à prisão por décadas.
Decidimos ir mesmo assim.
13h30
Uma viagem tensa
Um motorista particular aceita nos levar, tentando um trajeto por Port Said, mais longo, mas que nos deixaria fora de suspeita em caso de prisão e controle policial.
Cada posto de controle é um buraco no estômago, com mensagens de alerta sobre prisões e confisco de passaportes.
No veículo, o silêncio é pesado e o rádio é ligado no volume máximo em cada posto de controle para convencer que somos turistas levadas pela vibração da música.
O bloqueio em Ismailia
Chegando aos arredores de Ismailia, tudo para. As forças da ordem bloqueiam a entrada. Nossos passaportes são confiscados. Somos obrigadas a dar meia-volta e escoltadas para fora da cidade. No primeiro posto de controle, somos obrigadas a descer. O motorista não pode esperar.
Nossos passaportes são devolvidos por nacionalidade. Para as argelinas, a espera é mais longa; a incerteza, mais pesada.
Finalmente, chegamos aos arredores de Ismailia. Mas lá, tudo para. As forças da ordem bloqueiam a entrada: ninguém passa. Nossos passaportes são confiscados sem uma palavra. “Sentimos que as coisas estavam se fechando, que a margem de manobra estava desaparecendo”, testemunha uma de nós.
Somos obrigadas a dar meia-volta, escoltadas para fora da cidade. À saída desta, no posto de controle mais próximo, somos obrigadas a sair do carro. O motorista, preocupado, não pode esperar. Recuperamos nossos pertences, exaustas, mas determinadas.
Os passaportes são devolvidos por nacionalidade. Para as argelinas, a espera é mais longa, a incerteza mais pesada. Vemos as bandeiras, os rostos, os olhares daqueles que, como nós, não desistiram.
O nascimento de um sit-in (protesto) internacional
É ali, no posto de controle, que a solidariedade se materializa. Uma bandeira palestina é hasteada. Depois outra. Em seguida, uma bandeira argelina, uma suíça, uma marroquina, uma tunisiana.
Os slogans ecoam: “Free Palestine!” “End the blockade!” “Stop bombing Gaza!”
(“Palestina livre!” “Fim do bloqueio!” “Parem de bombardear Gaza!”)
Somos dezenas, depois centenas, sentadas no asfalto quente. Um momento de revolta compartilhada, um grito comum nascido do desespero e da dignidade. Amigas na Argélia garantem a comunicação. O comunicado é divulgado, transmitido além das fronteiras.
Este comunicado estava no centro do nosso compromisso. Fruto de uma escrita coletiva, de reflexões, releituras, emoções partilhadas e convicções arraigadas. Intitulado “Nós, militantes e organizações feministas argelinas, marchamos para Gaza”, este texto trazia a voz de um feminismo argelino profundamente anti-imperialista e decolonial, fiel à herança das lutas do nosso povo contra a colonização. Nele, afirmávamos que nossa luta pelos direitos das mulheres é indissociável da luta contra a opressão dos povos, contra o colonialismo e contra o imperialismo que esmagam vidas, na Palestina como em outros lugares.
Este comunicado não pretendia ser um simples texto de intenções: era um ato político em si mesmo, um grito compartilhado com mais de 3.000 participantes de 80 países que se juntaram à Marcha Global por Gaza – e ao comboio terrestre Sumud. Ele lembrava que a marcha não era uma solução milagrosa, mas uma recusa à inação, uma forma de quebrar o silêncio cúmplice diante do genocídio em curso em Gaza, perpetrado pela ocupação sionista e seus aliados. Cada palavra carregava a dor de milhares de mortos, de crianças famintas, de mulheres assassinadas sob as bombas, mas também a dignidade de um povo em pé e a responsabilidade dos Estados e dos povos de se manterem ao seu lado.
Denunciávamos sem ambiguidade a cumplicidade das potências que armam o opressor, apelávamos aos Estados para que rompessem o silêncio, agissem por um cessar-fogo imediato, o fim do bloqueio, o fim da ocupação. Apelávamos aos povos para que marchassem, em toda parte, porque ficar imóveis seria trair. E afirmávamos: “Não trairemos”.
Esse texto, assinado por nossas organizações, com nossos nomes, era também um escudo moral contra possíveis acusações, uma forma de explicar, assumir nossas escolhas, lembrando que nossa ação continuava pacífica, respeitosa das leis locais, mas firme em suas reivindicações. Ele trazia o que era a essência da nossa presença: dizer que a Palestina será livre e que, enquanto a injustiça prevalecer, continuaremos marchando.
À noite
A armadilha se fecha e a repressão é brutal
O dia chega ao fim, as negociações estão paralisadas, as forças de segurança chegam em grande número: ônibus, caminhões, veículos blindados. A mensagem é clara: “Vocês passaram a mensagem. Agora, vão embora”.
Nós recusamos: como ir embora quando nossos companheiros não recuperaram seus passaportes? Deixar Gaza sangrar? As ameaças aumentam: “Ou vocês vão embora ou serão expulsos imediatamente”.
A noite cai. Homens à paisana, mascarados, surgem. Eles batem, arrancam, humilham. “Foi uma violência fria, metódica. Nada selvagem, mas totalmente eficaz”. As manifestantes são arrastadas, embarcadas em ônibus com destinos aleatórios: aeroporto, delegacias, rodovias abandonadas.
Nós, por sorte ou por azar, estamos no ônibus que não será afetado pelas expulsões imediatas.
No ônibus: confusão e a notícia que nos atinge
Fomos colocadas no ônibus à força, com o corpo dolorido e os nervos à flor da pele. Dentro, o silêncio é pesado, interrompido por suspiros, lágrimas abafadas e olhares trocados na tentativa de se tranquilizar. Todas tentam entender: para onde estamos indo? Qual será a próxima humilhação?
E é nesse ambiente sufocante que surge uma informação no Facebook: o Irã respondeu ao ataque de Israel. Uma manifestante, com o telefone ainda tremendo na mão, sussurra: “O Irã... O Irã acabou de bombardear Tel Aviv”. Um arrepio percorre o ônibus.
Olhamos umas para as outras, atordoadas. Não é medo, nem alegria simples: é a consciência de uma reviravolta inesperada. Uma manifestante ao meu lado solta, quase em voz baixa: “Deve ser o único ponto positivo na história do regime dos mulás”.
Outra, mais jovem, imediatamente matiza: “É preciso ter calma... Irã ou não, continua sendo território palestino”.
As palavras pairam no ar, suspensas, enquanto o ônibus sacode na noite. Cada uma pondera o que isso significa: uma resposta legítima, sim, mas uma guerra que se alastra, um risco maior, povos presos em uma armadilha.
Esse momento, naquele ônibus apertado, com medo no estômago e vozes baixas analisando, testemunha o espírito dessa Marcha Global: sua radicalidade. Uma radicalidade consciente, crítica, coletiva.
E olhando ao nosso redor, vemos isso claramente: os grupos dominantes nesta marcha, aquelas que permanecem até o fim, são anarquistas, militantes de extrema esquerda, feministas anticolonialistas. Aquelas que não têm nenhuma bandeira de Estado, apenas a dos povos.
Finalmente, fomos deixadas a 20 minutos do centro do Cairo, por um milagre. Vivemos o medo, a raiva, mas também a beleza de uma solidariedade sem fronteiras. O que retenho? A extraordinária coragem das pessoas que nos ajudaram: o povo egípcio, os camaradas anônimos, aqueles que correram riscos para nos abrigar, proteger, alimentar.
Vimos os limites da diplomacia, a brutalidade dos Estados, mas também a força dos povos. Nenhuma luta feminista é completa se ignora a ordem colonial global. Naquele dia, vimos o que isso significa: resistir, juntas, sem bandeiras de Estado, mas com as bandeiras dos povos.
Por precaução, decidimos não voltar imediatamente para a casa de Imane, com medo de expô-la se estivéssemos sendo seguidas.
Quase três horas depois, a caminho da casa da nossa anfitriã, nosso motorista particular é parado e nossos passaportes confiscados novamente. O motorista, solidário, inventa uma história: seríamos suas clientes, turistas. Ele negocia e recuperamos nossos passaportes.
Na casa de Imane, a recepção é calorosa e reconfortante, uma extensão da solidariedade internacional.
14 de junho
Balanço e prudência
A embaixada da Argélia no Cairo entra em contato conosco de forma inesperada. O interlocutor saúda nosso compromisso, qualificando-nos de “herdeiras das mujahidate”, mas lembra os limites da diplomacia: em caso de prisão, pouco poderá ser feito. Ele oferece ajuda material, que recusamos, não querendo expor Imane.
Por precaução, permanecemos confinadas, em contato com nossas companheiras e organizadoras. É inútil arriscar prisões em um contexto de recusa radical das autoridades egípcias.
16 de junho
Últimas horas no Cairo
Após um dia calmo, preparamos nossas malas. À tarde, participamos de uma reunião na sede do partido El Karama, com partidos de esquerda, para falar sobre a marcha, a caravana Soumoud, o contexto regional e a resposta iraniana.
Mais tarde, à noite, partimos para o aeroporto. Nossos controles transcorrem bem, outros são revistados e presos. No avião, os slogans aumentam, um último grito coletivo.
Assistimos então a um ato de solidariedade inesperado: um piloto se recusa a decolar enquanto os 15 argelinos presos não forem libertados. Após duas horas, o avião finalmente decola.
Foi apenas simbólico, mas foi importante
Esta experiência é uma ilustração concreta do feminismo interseccional e decolonial que marca o movimento feminista argelino contemporâneo. Não somos simplesmente mulheres marchando por Gaza; trazemos uma crítica global ao sistema mundial de opressão, uma herança das lutas anticoloniais argelinas que se traduz hoje num compromisso internacionalista solidário.
A repressão vivida demonstra como a ordem mundial capitalista e imperialista, consolidada por Estados cúmplices, se empenha em silenciar todas as vozes contestatórias, em particular as que defendem os oprimidos e os povos colonizados. A nossa abordagem feminista recusa a fragmentação das lutas: os direitos das mulheres estão intrinsecamente ligados à luta contra o racismo, o colonialismo, o capitalismo e o militarismo.
Ao nos juntarmos à Marcha Global para Gaza, quisemos materializar esse feminismo político que leva em conta a interconectividade das dominações. Esta ação coletiva, mesmo que limitada pela repressão, é um ato de resistência política feminista que se recusa a deixar as mulheres, crianças e homens palestinos isolados, invisibilizados ou reduzidos a vítimas passivas. Eles são atores e atrizes de sua luta, e nossa solidariedade pretende ser um apoio ao seu poder de vida, resistência e transformação social.
As provações da viagem, as tensões, as recusas de entrada, a brutalidade policial também colocaram em evidência a precariedade política do ativismo internacionalista, submetido à lógica securitária dos Estados, mas também a força do coletivo e da irmandade transnacional.
Este percurso mostra também que a ação feminista política não se limita a um espaço simbólico: envolve corpos, riscos, estratégias e requer redes de apoio sólidas e ativas.
Esta viagem, marcada pela solidariedade, pela violência estatal e pela determinação, é um testemunho brilhante da necessidade de um feminismo decolonial, antirracista e internacionalista. Nós, militantes feministas argelinas, encarnamos a continuidade de uma luta histórica contra todas as formas de opressão, das mulheres argelinas mujahidate às mulheres palestinas sob bloqueio.
Nossa marcha não foi um simples passeio, mas um ato político radical, uma clara recusa da injustiça e da cumplicidade silenciosa dos Estados. Num mundo onde as fronteiras se endurecem, onde as solidariedades são frequentemente impedidas, a nossa ação traçou um espaço de resistência transnacional, impulsionado pela força coletiva das mulheres e dos povos em luta.
Naquele dia, no meio da repressão, aprendemos que a solidariedade feminista internacional é um baluarte contra a barbárie, uma fonte de esperança e uma arma contra a opressão.
Porque enquanto Gaza sangrar, enquanto a Palestina estiver sob ocupação, enquanto as mulheres, as minorias políticas e todos os oprimidos permanecerem privados de seus direitos, enquanto o imperialismo e o capitalismo priorizarem a militarização, o armamento e a guerra: nossa luta feminista e decolonial não poderá parar.
28 de junho de 2025
1) O zaatar é uma mistura de especiarias do Oriente Médio. O labneh é um queijo fresco salgado, feito com iogurte escorrido.