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Rebelião ou ditadura no Equador

por Iain Bruce
Cerimônia militar equatoriana. (Carlos SIlva - Presidencia de la República)

Na tarde de quinta-feira, 18 de setembro, a nova liderança do poderoso movimento indígena do Equador, a CONAIE, cedeu à pressão e convocou uma greve nacional por tempo indeterminado — em protesto contra a retirada dos subsídios ao diesel, uma medida que quase duplicaria o preço da maioria dos produtos de primeira necessidade da noite para o dia. A nova direção da CONAIE, eleita em julho, é aparentemente de direita.

Na manhã de sexta-feira, o presidente Daniel Noboa anunciou planos para convocar uma Assembleia Constituinte para reescrever a Constituição — ele vinha pressionando por uma série de reformas destinadas a remover ou enfraquecer os direitos ambientais e trabalhistas consagrados na progressista Constituição de 2008 e permitir ao mandatário convidar tropas americanas para operar em solo equatoriano, supostamente em sua “guerra contra as drogas”.

Na noite de sexta-feira, o presidente Noboa enviou a polícia para cercar e evacuar o Tribunal Constitucional, quando a instituição discutia e deliberar sobre a  constitucionalidade das medidas governamentais. Recentemente, o tribunal considerou inválidas várias de suas tentativas nesse sentido.

Os movimentos sociais do Equador imediatamente convocaram uma mobilização na manhã de sábado em defesa do Tribunal Constitucional. O impasse ocorre no final de uma semana de confrontos crescentes entre o governo, cada vez mais abertamente de extrema direita, e os movimentos sociais do Equador, com as comunidades indígenas na linha de frente.

Dias de protestos contra um grande projeto de mineração no Sul do país, que ameaça todo o equilíbrio ecológico da região, especialmente suas fontes de água, culminaram em uma grande manifestação no dia 23 de setembro. Cerca de 100 mil pessoas marcharam por Cuenca, a terceira maior cidade do país. O governo foi forçado a recuar, suspendendo o projeto pelo menos temporariamente. Ao mesmo tempo, prometeu avançar com outros grandes projetos de mineração em comunidades como Palo Quemado e Las Naves, onde tanto a resistência quanto a repressão têm sido intensas.

Paralelamente, o governo anunciou um aumento acentuado no preço do diesel, como parte de seu acordo com o Fundo Monetário Internacional. A reação foi semelhante à de outubro de 2019, quando um aumento no preço dos combustíveis provocou uma revolta liderada por povos indígenas. A greve dos sindicatos dos transportes logo foi acompanhada por comunidades originárias, que bloquearam rodovias e enfrentaram a polícia. Estudantes marcharam pela capital, Quito.

A repressão também aumentou. Enquanto o governo usa sua suposta guerra contra as drogas para justificar seus ataques aos movimentos sociais, multiplicam-se relatos horríveis de tropas torturando ativistas detidos. Mas o movimento indígena também tem exercido seu significativo poder social. Quando agentes do serviço secreto aparentemente tentaram atropelar Leónidas Iza – ex-presidente da CONAIE e figura de proa da resistência radical – no mês passado, eles foram prontamente detidos pela comunidade local e submetidos à Justiça Indígena, outro direito protegido pela Constituição atual. Eles não sofreram nenhum dano, mas foram submetidos a vários dias de interrogatório minucioso, durante o qual revelaram detalhes notáveis sobre a vigilância dos serviços de segurança sobre os movimentos populares, incluindo o uso de infiltrados e jornalistas falsos. Como resultado da detenção dos agentes, o próprio Leónidas agora está sendo acusado de sequestro.

O mesmo poder social indígena ficou evidente no dia 25, quando o novo presidente da CONAIE, Marlon Vargas, anunciou a paralisação nacional por tempo indeterminado. Frente a paralisações regionais e bloqueios de estradas que se espalhavam nos dias anteriores, o presidente Noboa havia declarado estado de emergência em várias províncias. Juntamente com o chamado à greve, Marlon Vargas declarou uma “emergência comunitária”, o que significa que o exército e a polícia não terão permissão para entrar em nenhuma comunidade ou território indígena.

Isso representa uma mudança significativa no equilíbrio de forças dentro do movimento indígena. Há apenas dois meses, Vargas foi eleito para a liderança da CONAIE à frente de uma coalizão de forças centristas e abertamente de direita, prometendo negociar com o governo Noboa e promover a unidade nacional. Parecia uma derrota séria para as forças radicais do movimento indígena, lideradas por Leónidas Iza. Mas, nas últimas semanas, a realidade minou essa “unidade”. A seção amazônica da CONAIE, Confeniae, que Vargas já liderou, e várias federações provinciais anunciaram que estavam rompendo relações com o governo. As comunidades locais já estavam tomando medidas diretas.

Os acontecimentos têm se desenrolado rapidamente e ainda é muito cedo para dizer se a paralisação nacional se transformará em uma rebelião total, a terceira em seis anos. Muito dependerá do que acontecer dentro da liderança do movimento indígena. Também ainda não está claro até onde vai o presidente Noboa – que mantém um apoio significativo entre partes da população, embora sua popularidade tenha caído – em sua tentativa de atropelar as já frágeis instituições democráticas do Equador. Ainda não se trata de uma ditadura, como alguns na esquerda têm sugerido. Mas pode estar caminhando nessa direção.

De qualquer forma, o povo do Equador precisa da solidariedade internacional — agora!

20 de setembro de 2025