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Sahel: sair do impasse militarista

por Paul Martial
Des membres de milices civiles se rassemblent pour célébrer le sixième anniversaire de l’organisation à Zagtouli, au Burkina Faso, le 14 février 2021.© Henry Wilkins /VOA

O que está acontecendo atualmente no Sahel? Paul Martial descreve a evolução das relações de força militares, inserindo-as nos contextos políticos e sociais específicos dos diferentes países da região.

 

Sexta-feira, 13 de junho. Mal chegados ao Mali, mercenários da nova estrutura militar russa Africa Corps, que substitui a Wagner, a milícia do falecido Evgueni Prigojine, caíram numa emboscada entre Anefis e Aguelhoc, na região de Kidal. O balanço é pesado. Fala-se em várias dezenas de mortos. A operação foi reivindicada pela Frente de Libertação do Azawad (FLA), que reúne principalmente os independentistas tuaregues.

Esta emboscada compromete a narrativa que apresenta os mercenários russos, sejam eles da Wagner ou da Africa Corps (e muitas vezes pertencentes sucessivamente às duas entidades), como combatentes temíveis que, no terreno militar, deveriam fazer a diferença. Relativisa também o único sucesso de que a Wagner se pode orgulhar, nomeadamente a recuperação de Kidal, bastião dos movimentos independentistas tuaregues e apresentada pelas autoridades malianas como a reconquista da soberania nacional, que se revela, no mínimo, precária.

A substituição da Wagner pela Africa Corps não irá alterar profundamente a relação entre as autoridades malianas e os auxiliares russos. A maior parte dos combatentes de Wagner foi integrada ao Africa Corps. O que pode mudar é um maior controle das autoridades russas sobre a política malinesa, pois a nova entidade depende do Ministério da Defesa, o que não era o caso de Wagner. Outras mudanças podem surgir, especialmente na área econômica. O governo malinês pagava mensalmente US$ 10 milhões à agência de mercenários.

Com o Africa Corps, assistimos a uma formalização da intervenção russa, considerada mais como uma relação entre Estados, abrindo eventualmente caminho para uma isenção deste pagamento para o governo maliano. Essencialmente, nada deve mudar, incluindo no terreno militar, tanto no Mali como nos outros dois países, o Níger e o Burquina Faso, que formam a Aliança dos Estados do Sahel (AES), também confrontados com ataques jihadistas.

 

A situação humanitária deteriorada

Desde a tomada do poder pelas juntas militares dos países da AES, os jihadistas do JNIM, acrônimo de Jamāʿat nuṣrat al-islām wal-muslimīn (Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos), afiliado à Al-Qaeda, e as tropas do Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS) não param de avançar. Das 135 entidades administrativas que compõem esses três países do Sahel, a maioria dos especialistas considera que dois terços estão sob o controle, mesmo que as vezes parcial, dos grupos islâmicos.

 

Este avanço é acompanhado por um aumento significativo do número de mortes, com cerca de 11 200 registadas no final de junho de 2024. O seja o triplo em relação a 2021. No entanto, é necessário avaliar esta evolução com cautela, uma vez que o controlo da informação por parte das juntas militares e a repressão contra os jornalistas levam a crer que esta evolução continua a ser subestimada.

 

No plano humanitário, a situação também piorou, com quase cinco milhões e meio de pessoas deslocadas. Na maioria das zonas onde a guerra entre forças islâmicas e exércitos é intensa, as escolas e os centros de saúde estão fechados, deixando as populações sem educação e cuidados de saúde. A título de exemplo, no Burquina Faso, 20% dos estabelecimentos de saúde e cerca de 5.300 estruturas escolares estão abandonadas. O resultado é que 40% das crianças não têm acesso à escola.

 

A insegurança alimentar é considerada um risco grave. No Mali, 12% da população é vítima de desnutrição, no Níger metade das crianças sofre de carências nutricionais moderadas ou graves e no Burquina Faso mais de 2,3 milhões de pessoas passam fome.

 

O avanço jihadista

Os grupos islâmicos estão ganhando terreno, aproveitando-se do enfraquecimento dos exércitos nacionais devido à negligência e à corrupção da maioria dos oficiais superiores. Estes desviam os salários e utilizam parte dos recursos financeiros que os países destinam à defesa para construir mansões ou comprar empresas. A isso se soma o tráfico de armas, às vezes vendidas a grupos armados.

 

Os especialistas da Conflict Armament Research estimam que a maior parte do armamento e das munições dos agressores provém dos exércitos nacionais, grande parte dos quais tem sido obtida após ataques a comboios militares ou quartéis.

 

Além disso, os jihadistas investiram amplamente em tecnologias, especialmente em comunicações, graças às redes Starlink, que permitem a circulação de informações entre os combatentes, dando-lhes uma vantagem decisiva nas batalhas. Este reforço das capacidades operacionais é acompanhado, com a rede de satélites de Musk, por uma presença nas principais redes sociais, onde vídeos curtos destacam o sucesso das suas operações militares, contrariando as comunicações oficiais das autoridades.

 

Além disso, a vantagem que as forças armadas dos países do Sahel tinham no ar tende a desaparecer com a utilização de drones pelos grupos armados. Eles os utilizam para coletar informações, para bombardeios, mas também para conduzir batalhas. O primeiro uso de drones ocorreu no Mali, em abril de 2024, onde combatentes utilizaram um quadricóptero equipado com granadas e morteiros para atacar uma milícia Dozo aliada ao exército nacional.

 

No Burkina Faso, o ataque ao campo militar de Diapaga, que causou a morte de cerca de 50 pessoas e permitiu a apreensão de um importante arsenal, incluindo veículos blindados, foi conduzido com a ajuda de drones. Isso permitiu aos líderes dos insurgentes ter uma visão global do campo de batalha. É provável que o uso de drones por grupos armados se intensifique, aumentando sua força de ataque.

 

Nesse contexto, os exércitos nacionais são incapazes de manter o controle dos territórios, os quartéis se tornam alvos e cada ataque aumenta o número de soldados mortos ou feitos prisioneiros, causando desmoralização entre as tropas. O exemplo do campo de Boulikessi, considerado altamente estratégico pelo controle das estradas no centro do Mali, é bastante revelador. Atacado duas vezes em um mês, o exército malinês não teve outra solução a não ser abandonar esse domínio sob o eufemismo de uma retirada estratégica.

 

As juntas no poder

Tanto a nível social como de segurança, a situação é extremamente preocupante e continua a deteriorar-se. No entanto, foi para pôr fim à falta de segurança que os militares dos três países decidiram derrubar o regime civil, como se o exército não tivesse nenhuma responsabilidade nesta situação. A tomada do poder pelos militares ocorreu num contexto de forte combatividade popular, embora diferenciada nos três países.

 

No Mali, importantes mobilizações, lideradas nomeadamente pelo Movimento 5 de Junho – Agrupamento das Forças Patrióticas (M5-RFP), tiveram lugar contra o governo do presidente Ibrahim Boubacar Keïta, que não se contentou em acumular fracassos económicos e militares, mas também foi salpicado por vários escândalos de corrupção. Particularmente no centro das atenções estão as extravagâncias “bling bling” do filho do presidente, Karim. Nas redes sociais, ele é visto tirando selfies em um cruzeiro em um iate de luxo, onde o champanhe corre solto, dançando com garotas.

Os militares desviaram a mobilização popular ao usurpar o poder com a cumplicidade de uma minoria do M5-RFP liderada por Choguel Maïga, que se tornaria primeiro-ministro sem ter poder real.

 

Em Burkina Faso, em 2014, uma revolução derrubou a ditadura de Blaise Compaoré, levando a eleições cujos dois principais candidatos eram liberais próximos da França. O balanço do governo de Roch Marc Christian Kaboré, tal como o seu correligionário civil maliano, foi incapaz de endireitar minimamente o rumo. O ataque ao quartel da gendarmerie de Inata desencadeou a indignação da população, pois, apesar de vários apelos, estes gendarmes permaneceram isolados, reduzidos a caçar para se alimentarem. Durante o ataque conduzido pelos jihadistas, cerca de 60 militares morreram.

 

Embora a responsabilidade por este evento seja amplamente partilhada entre o governo Kaboré e o exército, isso não impediu os militares de tomarem o poder através de um primeiro golpe de Estado liderado pelo tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, seguido de um segundo. O exército burquinês tinha campo totalmente livre, ao contrário do Mali, com a ausência de qualquer oposição política. A vontade do movimento Balai Citoyen, bem implantado entre os jovens, de se limitar apenas a um papel de vigilante da cena política, eliminou a possibilidade de aparecer como uma alternativa aos políticos cuja lealdade à França era evidente.

 

Outro caminho poderia ter sido seguido, à imagem dos Comités de Resistência no Sudão. Estes surgiram inicialmente como um movimento civil de ajuda e solidariedade, depois como um instrumento de mobilização, para finalmente, pouco antes da guerra dos generais, serem capazes de propor uma «carta revolucionária do poder popular» apresentada como uma alternativa aos militares, mas também aos partidos políticos integrados no sistema.

 

O Níger apresenta uma diferença notável. O presidente Mohamed Bazoum foi eleito num processo eleitoral globalmente satisfatório. 

Ele havia começado a seguir um caminho interessante para tentar pôr fim à guerra travada pelos jihadistas, tentando simultaneamente uma resposta militar e uma política de abertura para negociações de paz. No entanto, ele apareceu como o homem dos franceses ao aceitar hospedar em seu país as tropas francesas que haviam sido anteriormente expulsas do Mali e depois de Burkina. Além disso, antes de concorrer à presidência, Bazoum era ministro do Interior e da Segurança e tinha deixado memórias muito ruins para os ativistas do país. 

 

Um incidente que passou relativamente despercebido, mas que reflete as tensões e mobilizações contra o imperialismo da França, é a manifestação em Téra, na região de Tillabéri, contra o comboio da operação Barkhane, cuja repressão causou duas mortes, certamente provocadas por tiros de soldados franceses.

 

Como se pode ver, a ascensão ao poder dos militares nos países da UEA continua a ser uma consequência das mobilizações populares contra os governos civis corruptos. Ela também se alimentou da incompreensão das populações sobre a ausência tangível de resultados contra os jihadistas por parte do exército francês, que se gaba de conhecer o terreno, mas é incapaz de conter os ataques inimigos.

 

Para muitos jovens, essa incompreensão transformou-se em dúvida e, depois, em convicção de que a França era cúmplice dos grupos armados. Uma opinião que esteve em voga nas redes sociais. Ela também deve seu sucesso à política do exército francês de tecer uma aliança, embora informal, mas real, com os independentistas tuaregues, reunidos na época no Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA). O trabalho conjunto entre o MNLA e o exército francês contra os jihadistas foi visto como uma violação da soberania nacional, pois implicava a criação de um santuário na região de Kidal para os separatistas tuaregues.

 

No plano econômico, a junta maliana entrou em um braço de ferro com as empresas mineradoras ocidentais por uma divisão mais equitativa dos lucros. Embora esse objetivo tenha levado a medidas coercitivas contra os dirigentes das filiais das multinacionais, ele não constitui, em si, uma ruptura com a ordem econômica. Muitos governos africanos revisaram suas leis minerárias, alterando-as para obter uma melhor distribuição de riqueza. No passado, governos perfeitamente reacionários e totalmente alinhados com os governos ocidentais às vezes tomaram medidas muito mais radicais, como foi o caso, por exemplo, da política de zaïrianização no Congo, com um aspecto econômico lançado por Mobutu.

 

Isso resultou na mudança da moeda, na nacionalização das terras e dos bens comerciais pertencentes a estrangeiros. Essa campanha foi realizada com a vontade declarada de romper com tudo o que pudesse representar o Ocidente no país, de modo que os nomes próprios, os nomes das cidades e das ruas foram alterados, incluindo o do país. O Congo passou a ser a República do Zaire. Essa política violenta, burocrática e imposta de cima para baixo foi um meio de consolidar uma política clientelista para a perpetuação do poder. É o que acontece com as juntas da AES, que lucram amplamente com a renda da segurança com a explosão dos orçamentos de defesa.

 

Os métodos de corrupção continuam clássicos: contratos opacos sem licitação, atribuição de contratos públicos a membros da família ou pessoas próximas da junta e repressão contra jornalistas e ONGs para evitar que as informações sobre esses desvios circulem. No entanto, é difícil esconder as luxuosas vilas recentemente construídas pelos membros das juntas.

 

Quanto às narrativas soberanistas abundantemente utilizadas pelos golpistas, elas dificilmente iludem. Lembremos que os caciques da Françafrique também não hesitam em usar o vocabulário anticolonialista ou de organizações “panafricanas” para vilipendiar as ONGs que apontam a corrupção desses sátrapas. Assim, a “ONG” Dignidade e Consciência Africana organizou uma coletiva de imprensa para “enfrentar os ataques das ONGs ocidentais contra os líderes africanos” com a pergunta: “Como aceitar que chefes de Estado de países independentes sejam alvo de tais intromissões nos assuntos internos de seus respectivos países?”

 

Os líderes malianos compreenderam bem que a questão da reconquista de Kidal poderia reforçar a sua popularidade e dar algum crédito às suas declarações soberanistas, mesmo que, a médio prazo, esta política se tenha revelado catastrófica, como veremos mais adiante. É certo que as declarações contra a política da França são sempre recebidas com entusiasmo, seja a do primeiro-ministro Choguel Maïga na tribuna das Nações Unidas, declarando que a França abandonou o Mali em pleno voo, ou a do líder burquinês Ibrahim Traoré, criticando as políticas neocolonialistas do Ocidente, sob o olhar benevolente de seu anfitrião Putin, reproduzindo assim uma pálida cópia adulterada de Thomas Sankara.

 

Tanto mais que o comportamento das autoridades francesas apenas alimenta essa retórica. Com Barkhane, a hierarquia militar francesa dirige as operações e se exime das opiniões dos países sahelianos envolvidos. Os soldados franceses trabalharam em colaboração com milícias culpadas de crimes de guerra, como o GATIA (Grupo de Autodefesa Tuaregue Imghad e Aliados). As forças tricolores foram responsáveis pelo bombardeamento de civis, nomeadamente em Bounti, matando 19 pessoas, ao mesmo tempo que recusavam sistematicamente a criação de uma comissão de inquérito independente. As autoridades francesas queriam intervir militarmente para restabelecer Bazoum após o golpe de Estado. Sem mencionar, evidentemente, a arrogância contínua do presidente Macron, que incomoda tanto os africanos quanto os franceses.

 

As juntas contra a população

A questão central para as três juntas poderia ser resumida em como permanecer no poder com um balanço muito distante das promessas feitas para justificar seu golpe de força. Durante longos meses, os discursos sobre a soberania e a segunda independência dos países da AES foram bem recebidos.

 

Agora, essa aprovação tende a desmoronar-se, tendo em conta os ataques quase diários de grupos armados, com o seu quinhão de mortos, prisioneiros, testemunhos de soldados atacados que não recebem qualquer ajuda, apesar dos seus apelos desesperados, aldeias cercadas e abandonadas à sua triste sorte pelas autoridades. As políticas adotadas pelas juntas continuam a limitar as informações em favor de uma propaganda baseada, como diria Trump, na verdade alternativa. Assim, as rádios e canais de televisão independentes são fechados, os jornais ameaçados e os jornalistas silenciados.

 

As vozes dissidentes também devem ser silenciadas, mesmo os primeiros apoiantes dos golpes de Estado que se mostram críticos são presos no Mali ou enviados para a frente de batalha no Burquina Faso. No Níger, militantes anti-imperialistas como Moussa Tchangari são presos por ordem do presidente Abdourahamane Tiani, antigo chefe da guarda presidencial. Ele agora se apresenta como o arauto da soberania do país, mas durante sua longa carreira não se destacou particularmente na luta contra o neocolonialismo da França.

 

No Burquina Faso, sindicalistas como Moussa Diallo, secretário-geral da CGT-B, são obrigados a entrar na clandestinidade. No Mali, os partidos estão agora proibidos e militantes como Oumar Mariko, líder do partido de esquerda radical Solidariedade Africana para a Democracia e Independência (SADI), são forçados ao exílio. Ao mesmo tempo, as estruturas ad hoc criadas e subordinadas às juntas nomeiam os presidentes, como Asimi Goita, que passou diretamente de coronel a general cinco estrelas e poderá permanecer na presidência do Mali enquanto o país estiver sujeito a riscos terroristas.

 

A sua gestão da guerra agravou verdadeiramente a situação. No Mali, a junta denunciou unilateralmente os acordos de Argel assinados por uma série de grupos armados, na sua maioria independentistas. Em seguida, considerou-os terroristas e lançou a operação de reconquista de Kidal. Não só a junta maliana se colocou contra a Argélia, a principal força regional, acusando-a de desestabilizar o Mali, como também abriu uma nova frente interna com o risco, que tende a concretizar-se, de uma aliança entre o JNIM e a FLA.

 

No Burkina Faso, a fuga para a frente é a ordem do dia com a criação dos Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP). Esses civis recrutados recebem durante uma ou duas semanas uma formação militar muito básica. Eles devem ajudar no reconhecimento para o exército. Espalhados pelas aldeias, rapidamente se tornam alvos para os jihadistas. A maioria dos VDP são originários dos Koglweogo, que nas zonas rurais desempenhavam o papel de polícia e juiz. Foram frequentemente denunciados por organizações de defesa dos direitos humanos por atos de tortura contra pessoas suspeitas de serem bandidos. Atualmente, os VDP são acusados de massacres contra a comunidade peul, suspeita de apoiar o JNIM. As forças armadas nigerianas, em menor medida, também contam com o apoio de milícias comunitárias, nomeadamente os Zankaï, originários da comunidade zarma, que têm como alvo os peuls acusados de apoiar o Estado Islâmico, em particular na região de Tillabéri.

 

As forças armadas da AES, acompanhadas por seus mercenários russos ou comunitários, mataram mais civis do que jihadistas. As últimas revelações do jornal “Le Monde” e do semanário “Jeune Afrique” sobre os atos de tortura dos mercenários de Wagner, acompanhados de insultos racistas, são uma ilustração arrepiante do que as populações desses três países podem sofrer. O isolamento e as violações em grande escala dos direitos humanos apenas reforçam as posições dos grupos armados islâmicos ou independentistas.

 

A ironia é que a estratégia militarista de fuga para a frente adotada pelas forças armadas nacionais é a mesma seguida pelos militares franceses, com o mesmo resultado: um fracasso amargo que se explica pela natureza da crise no Sahel.

 

A estratégia dos jihadistas

No Sahel, as razões para o envolvimento na luta jihadista são múltiplas. Muitas vezes estão relacionadas com a preocupação de proteger a si mesmo, a sua família ou a sua comunidade. Também pode ser uma questão de vingança contra as exações das autoridades ou milícias que se reivindicam de outra comunidade. A questão econômica, ou seja, a possibilidade de ter uma atividade lucrativa, também é mencionada pelos prisioneiros jihadistas ou pelos arrependidos interrogados por universitários. Uma constatação se destaca: muito poucos colocam a religião em primeiro plano.

 

É certo que existem debates sobre a importância da religião nessa radicalização. Parece ilusório descartar completamente esse dado. Tanto mais que a maioria dos líderes tem uma abordagem diferente e mais religiosa, que transmitem diariamente aos combatentes. Isso permite dar um enquadramento à ação, mas também uma justificativa para a guerra travada com seu cortejo de sofrimento e morte.

 

A força dos grupos jihadistas reside na sua capacidade de se integrarem nas comunidades de diferentes maneiras e de participarem em conflitos muito locais. Por outras palavras, as lutas políticas e, por vezes, armadas são, na maioria das vezes, muito anteriores ao aparecimento dos grupos jihadistas. Se tomarmos o caso das rebeliões tuaregues, estas remontam ao início da independência do Mali. O Níger também conheceu revoltas armadas dessas comunidades. A este respeito, a trajetória de Iyad Ag Ghali, líder do JNIM, é bastante edificante e característica da história da luta dos tuaregues nas regiões do Mali. No final da década de 1980, ele fundou o Movimento Popular de Libertação do Azawad (MPLA), que não tem nada de religioso e defende as reivindicações dos tuaregues. Foi somente no início da década de 2000 que a questão religiosa se tornou central.

 

No centro do Mali, a katiba de Macina, do pregador Amadou Koufa, construiu-se defendendo as populações mais pobres, denunciando os abusos, a obrigação de pagar para ter acesso às pastagens, criticando os grandes proprietários de rebanhos e os religiosos corruptos. Encontramos essa mesma retórica no grupo Ansarul Islam, do Burkina Faso, que se integrou ao JNIM. Seu líder, Ibrahim Malam Dicko, defende a igualdade entre as classes sociais, defende as pessoas de origem servil e critica as chefias tradicionais. Esses discursos têm grande repercussão entre os muitos jovens desclassificados e sem futuro.

 

Os jihadistas garantem à população, pelo menos, uma justiça que parece justa e rápida. Esta dimensão é frequentemente subestimada, mas é importante, ou mesmo vital, quando se trata de resolver questões fundiárias ou relacionadas com o gado. Esta luta armada é motivada por profundas desigualdades sociais, pela violência das forças armadas e pela ausência de justiça, e não é determinada por questões religiosas, mesmo que, em geral, as populações tenham uma forte ligação ao islamismo. Vencer esta guerra implica profundas reformas sociais.

 

Por mais surpreendente que possa parecer, o exército francês integrou essa dimensão e tentou responder a ela lançando o projeto “Aliança Sahel” e, posteriormente, a “Coalizão para o Sahel”, solicitando a participação da União Europeia e de instituições financeiras internacionais. Essa ação foi em vão, pois entrava em contradição com o objetivo declarado da intervenção, ou seja, a erradicação dos terroristas e não a implementação de uma política de desenvolvimento e melhoria da governança. Tal política teria esbarrado nas elites no poder e, no fim das contas, teria dado crédito aos combatentes islâmicos que criticam a corrupção e a ineficiência das autoridades.

 

Os bilhões gastos e que continuam a ser gastos são um puro desperdício e poderiam ter sido investidos em programas que melhorassem realmente a vida das populações.

 

Que futuro?

Independentemente das especificidades de cada país que compõe a AES, alguns elementos comuns podem ser destacados por serem suscetíveis de desempenhar um papel no futuro.

 

Em primeiro lugar, há uma vontade manifestada há anos pelas populações de abrir um diálogo com os jihadistas e, de forma mais geral, com os grupos armados, para avançar em direção à paz. No caso do Mali, essa demanda foi reiterada várias vezes. Em 2017, durante a Conferência de Entendimento Nacional, a sociedade civil lançou apelos para a discussão. Em 2019, novamente, durante o diálogo nacional inclusivo, muitos dos 3.000 delegados se pronunciaram a favor da abertura de negociações com Amadou Koufa e Iyad Ag Ghali para estabelecer a paz.

 

No Níger, as negociações foram iniciadas em 2022 pelo governo Bazoum, antes de ele ser derrubado. No Burkina Faso, sob a presidência de Kaboré e, posteriormente, durante o primeiro golpe de Estado liderado pelo tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, a vontade de negociar a paz esbarrou na intransigência das autoridades francesas, que traçaram como linha vermelha a recusa em discutir e, a fortiori, negociar com aqueles que chamavam de terroristas. Uma regra sistematicamente violada quando se tratava de negociar a libertação de reféns ocidentais.

 

Essa busca pelo diálogo é encontrada no interior dos três países. Aldeias ou cidades negociam com os jihadistas o fim do bloqueio ou o fim dos ataques, e muitas vezes são notáveis e religiosos que conduzem essas discussões. Esses acordos firmados entre os aldeões e os grupos armados são considerados um apoio aos jihadistas e resultam em massacres de muitos civis pelos militares. A junta militar do Burkina Faso considera os defensores do diálogo como traidores. Recentemente, Traoré declarou: “O povo burquinês não negociará com seu inimigo. Vamos lutar e vamos vencer. Não vamos ceder em nada, absolutamente nada.”

 

Em segundo lugar, a situação internacional tem repercussões sobre os grupos armados, ou pelo menos sobre alguns deles. A evolução do grupo Hayat Tahrir al-Cham, liderado por Ahmed al-Charaa na Síria, pode ser um caminho a seguir pelo JNIM. Ou seja, uma desfiliação da Al-Qaeda e exigências religiosas menores que permitiriam alianças com outros grupos, como os independentistas do Azawad.

 

Já existem discussões entre essas duas forças, com dois pontos de divergência: a questão religiosa e a questão da independência. Se cada entidade, não ousamos dizer “ceder um pouco”, então uma aliança poderia ser formada. Embora tenham ocorrido escaramuças entre a FLA e o JNIM no momento do fim do acordo de paz, rapidamente foi encontrado um modus vivendi, abrindo caminho para cooperações militares pontuais contra as forças armadas malianas e os mercenários de Wagner. Foi o caso em Tin-Zouatin, perto da fronteira com a Argélia, onde 82 russos perderam a vida.

 

Terceiro dado: o crescente isolamento das juntas no exterior. O Níger se recusa a cooperar com seu vizinho Benim, facilitando os ataques cada vez mais frequentes dos jihadistas nesse país. O Burkina Faso tem relações péssimas com a Costa do Marfim, acusando-a de querer desestabilizar o país, sem que haja provas formais para sustentar essa acusação. O Mali se desentendeu com a Argélia, que desempenhou um papel decisivo nos acordos de paz denunciados desde então pela junta. Esses países fronteiriços com os da AES estão cada vez mais preocupados com a deterioração da segurança, que enfraquece seus regimes e que, aos poucos, vê incidentes violentos ocorrerem em seus territórios. É o caso, por exemplo, do parque natural W-Arly-Pendjari (WAP), localizado na tríplice fronteira entre Benin, Burkina Faso e Níger, verdadeira base de retaguarda para os islamistas armados.

 

Quarto ponto: a fragilidade das juntas. De fato, não se pode excluir a possibilidade de movimentos dentro do exército. Em Burkina Faso, Traoré denuncia tentativas reais ou imaginárias de golpes de Estado frustradas. Isso mostra que ele não pode contar com todas as forças armadas. Recentemente, o Níger, em dois dias, sofreu dois motins, um em Filingué e outro em Téra. As tropas se recusaram a ir para o front, o que diz muito sobre o estado das forças nigerianas. No Mali, dentro do exército, vozes dissidentes se fazem ouvir.

 

Para o futuro, existem várias opções, das quais podemos citar três que ocorreram em outros países. Um cenário semelhante ao da Somália, em que os grupos islâmicos conseguem controlar a maior parte dos territórios que circundam as capitais, permanecendo sob o domínio das juntas militares, tentando impor um bloqueio e continuando suas guerras contra os países costeiros. Um segundo cenário semelhante ao que ocorreu na Síria. A ruptura do JNIM com a Al-Qaeda e uma relativa desconsolidadação, permitindo alianças com facções do exército em um dos três países da AES em torno da expulsão das tropas russas e de uma governança sem corrupção. Por fim, não se pode descartar um colapso, sob os golpes dos jihadistas, de um dos três regimes, o que teria um efeito dominó nos outros dois países. Um episódio que lembraria o do Afeganistão, com todas as consequências catastróficas, especialmente para as mulheres.

 

Publicado por Contretemps em 2 de julho de 2025

   

المؤلف - Auteur·es

Paul Martial

Paul Martial, militant de la Quatrième Internationale en France, est membre de la rédaction d'Afrique en lutte.