A história de vida de Joanna Misnik, falecida em setembro passado aos 78 anos, se confunde com a da esquerda ativista estadunidense e mundial. Como muitos da geração de 1968, foi radicalizada pela guerra dos Estados Unidos no Vietnã, tornou-se militante do SWP, com o qual rompeu quando este renegou o trotskismo. Viveu na Europa, onde foi secretária na IV Internacional dos tempos de Mandel. De volta aos EUA, brilhou por sua compreensão das dificuldades gigantescas impostas pelo neoliberalismo à classe trabalhadora. Foi operária têxtil, fundadora do grupo Solidarity, hoje seção da IV nos EUA. Feminista, antirracista, internacionalista, contagiava o entorno com seu bom humor, espírito unitário, intransigente e ao mesmo tempo sempre disposto a rever dogmas, sem medo de sacudir pilares. Uma daquelas imprescindíveis.
Em 1995, a IV Internacional, tendo sobrevivido à queda da União Soviética, renunciou à pretensão de ser o “partido revolucionário de vanguarda” da classe trabalhadora. Isso não significou sua dissolução, mas uma reorientação estratégica em resposta ao declínio dos movimentos operários em todo o mundo.
Nesse esforço, a FI “acolheria em suas fileiras organizações marxistas revolucionárias que não necessariamente se autodenominam ‘trotskistas’ nem se identificam com um e nossa história, mas que se juntam a nós com base em uma verdadeira convergência programática”.
Hoje, a FI se uniu a correntes revolucionárias em diferentes países, incluindo elementos dos antigos partidos comunista e socialista, bem como maoístas e outros trotskistas, na construção de novos e amplos partidos capazes de reunir as forças da classe trabalhadora.(1)
O principal líder da FI e renomado economista político marxista, Ernest Mandel, sempre foi otimista quanto às perspectivas revolucionárias. No entanto, no final de sua vida, ele se pronunciou a favor dessa mudança no Congresso Mundial de 1995, que ratificou essa posição como uma orientação estratégica definitiva para a FI ao entrar no novo século. A mudança de atitude de Mandel ocorreu após anos de ceticismo e reflexão.
Entre os primeiros na IV a não apenas apoiar essa orientação, mas também ajudar a colocá-la em prática, estava uma revolucionária americana menos conhecida. Quando Mandel deixou o pódio após suas observações, ele imediatamente se virou para sua amiga e companheira de vinte anos, Joanna Misnik, e disse: “Isso é para você, Joanna”. Joanna me disse que aquele foi um dos momentos mais importantes de sua vida.
Joanna Misnik faleceu em setembro de 2025, depois de seis décadas na esquerda revolucionária. Ela também foi uma das minhas mentoras mais importantes no movimento socialista. A independência de pensamento e a influência política de Joanna brilhavam em todos os espaços que ela organizava. A homenagem de Mandel foi um reconhecimento a uma revolucionária que teve a compreensão da necessidade de a esquerda levar a sério as condições objetivas que não são favoráveis a nós. Essa abertura surgiu de uma vida inteira de atividade revolucionária em muitos papéis diferentes em movimentos amplos.
Primeiros tempos
Nascida durante a Segunda Guerra Mundial, ela cresceu em uma família polonesa-americana em Cleveland, Ohio. Uma entre quatro filhos, ela teve seu primeiro contato com a esquerda por meio de alguns colegas judeus do ensino médio que eram filhos de membros do Partido Comunista.
No contexto de um movimento pelos direitos civis em expansão, seu despertar político foi estimulado ao testemunhar o racismo de outros estudantes brancos em relação aos seus colegas negros. Essa experiência levou-a a acreditar, ao longo de toda a sua vida, que qualquer política militante e a viável deve estar firmemente alicerçada na defesa do direito dos povos oprimidos de lutar pela sua própria libertação.
Joanna frequentou a faculdade por um breve período, mas depois de ser presa acusada de vender maconha, ela fugiu da fiança e foi para Berkeley. Lá, ela participou das marchas Stop the Draft (Pare o Recrutamento) até o Centro de Recrutamento de Oakland. Radicalizada pelo movimento contra a guerra do Vietnã, ela voltou para casa ao receber a notícia de que as acusações tinham sido retiradas.
Organizadora do movimento antiguerra e do partido
Cleveland sediou várias conferências antiguerra que convocaram grandes manifestações nacionais, por isso era o lugar perfeito para Joanna aprofundar seu envolvimento no movimento antiguerra. As três forças políticas que forneceram a infraestrutura do movimento foram o Partido Comunista, o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) e as forças pacifistas. Atraída pelo SWP por causa de sua orientação “Tragam as tropas de volta para casa agora”, ela se inspirou ainda mais pelo envolvimento de sua organização irmã na greve geral francesa de maio de 1968.
Aos 25 anos, ela foi enviada pelo SWP a Nova York para liderar a filial da ala jovem do SWP na cidade, a Aliança Socialista Jovem (YSA). Um grupo multiétnico de estudantes do ensino médio e universitários, onde ela desempenhou um papel de liderança no movimento nacional contra a guerra.
Em Nova York, ela se inspirou ainda mais nos movimentos anticoloniais em todo o Terceiro Mundo naquela época. Em 1973, ela se mudou para a Europa, com a permissão do SWP, para ajudar no trabalho editorial da nova publicação da IV Internacional, a Inprecor, retornando apenas no fim daquela década.
Em busca da unidade
Foi durante sua estadia em Nova York que Joanna desenvolveu seus valores políticos fundamentais no movimento trotskista: fé no poder da atividade auto-organizada dos trabalhadores e da organização revolucionária; a necessidade de cultivar frentes únicas com outros movimentos de trabalhadores e oprimidos; oposição baseada em princípios a todas as formas de burocracia, do stalinismo ao conservadorismo sindical.
Isso permitiu que ela estivesse no meio de muitas lutas diferentes contra a opressão, desde a luta pelo direito ao aborto, ao apoio aos soldados negros da classe trabalhadora que voltavam da guerra, até o desafio à homofobia no SWP. Para Joanna, esses valores não se cristalizaram em dogmas. A exposição a uma variedade de correntes permitiu que ela pensasse criativamente sobre as questões conjunturais de táticas e estratégias. Em sintonia com as condições objetivas que moldavam as possibilidades (e limitações) políticas ao seu redor, ela não hesitou em agir independentemente das ordens que recebia dos homens no poder ao seu redor.
Ao longo de sua vida política, ela esteva atenta às oportunidades para que diferentes correntes da esquerda se unissem em torno de demandas comuns e prioridades políticas. Como organizadora antiguerra, manteve sua posição com Victor Gotbaum, chefe do AFSCME DC 37 (o maior sindicato municipal da cidade na época). Ele exigiu que ela “se livrasse de todos os stalinistas do movimento sindical” para obter a participação de seu sindicato em uma manifestação antiguerra em toda a cidade. Ela recusou, dizendo-lhe que era “hora de se unir”. (Gotbaum mais tarde concordou e juntou-se como orador “sem compromisso”).
Ela também considerava a rivalidade intransigente do SWP com o grupo líder da Nova Esquerda, os Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS), um erro sectário. Em 1968, o SDS liderou uma campanha em todo o campus da Universidade de Columbia contra a pesquisa universitária para as Forças Armadas dos Estados Unidos e contra a construção de um ginásio no Harlem que seria aberto apenas para alunos e professores da Columbia. Joanna contornou a liderança nacional da YSA, que a havia instruído a impedir a participação da filial da YSA porque a campanha era liderada pelo SDS. Ela reconheceu a necessidade de estar presente em movimentos militantes mais amplos e levou a filial a se juntar à ocupação do campus.
Durante esse período, ela também testemunhou de perto conflitos dentro da esquerda. Isso solidificou sua aversão ao sectarismo, o que moldaria o resto de sua vida política. Os LaRouchites (um antigo grupo de esquerda que se tornou uma seita de extrema direita) interromperam violentamente um painel no qual ela falava, embora ela não tenha ficado ferida.
Em uma manifestação antiguerra de massa que ela ajudou a organizar no Bryant Park, com a participação de Pete Seeger e Nina Simone, membros da Spartacist League sabotaram o sistema de som, causando uma confusão momentânea no evento. Ela se lembrava de Simone e outros subindo no palco para ajudar a consertar o sistema de som.
De Nova York a Paris
Os dias de Joanna em Nova York foram os momentos mais visíveis e públicos de sua vida política. O resto de sua carreira na esquerda envolveu um trabalho revolucionário muito menos glamoroso, embora essencial.
Em meados da década de 1970, ela se mudou para a Europa com seu companheiro, também membro do SWP, para ajudar na nova publicação da IV Internacional, a Inprecor. Ela estava ansiosa para aprender com o ambiente mais aberto e pluralista da esquerda europeia, que ela havia vislumbrado durante suas visitas ocasionais a Nova York e sobre o qual havia lido nas campanhas do The Militant, o semanário do partido.
Lá, ela aprendeu sobre disputas passadas, como o apoio da maioria da IV à força líder da Revolução Argelina, a Frente de Libertação Nacional (FLN), à qual o SWP se opunha. Ela se viu atraída pela posição da maioria. Ao aprender sobre a posição do SWP, ela se lembra que foi a primeira vez que identificou uma tendência de muitos no movimento trotskistas de serem obcecados pela construção do “partido”. Era a noção de que apenas o próprio grupo, com o programa correto, poderia “administrar algo de forma limpa e sem malícia”.
Nos anos seguintes, ela trabalhou quase diariamente em pequenos apartamentos em Bruxelas e Paris, digitando meticulosamente ensaios e relatórios de camaradas de todo o mundo que enchiam as páginas da Inprecor. Exposta a revolucionários de todos os tipos que passavam pela sede, ela cultivou sua perspectiva internacionalista. Ela brincava dizendo que sempre se viu trabalhando como “datilógrafa de todos os grandes eventos históricos”.
Isso deu a Joanna o espaço para “ouvir atentamente” as palavras das discussões acaloradas entre os revolucionários ao seu redor. Ela também ganhou uma perspectiva única sobre a vida dos principais membros da IV. Ela não se relacionava com eles simplesmente como pensadores e escritores, mas muitas vezes como alguém nos bastidores que observava suas personalidades de perto, digerindo suas intervenções. Ela tirou suas próprias conclusões.
Ela considerou a Revolução Portuguesa (1974-5) “gloriosa” e apreciou conhecer os revolucionários que a IV apoiava. No entanto, ela estava entre os poucos que duvidavam que a revolta se aprofundasse em uma revolução socialista. Esse senso de cautela permitiria mais tarde a Joanna, mais cedo do que a maioria de seus colegas, compreender as condições adversas que a esquerda revolucionária enfrentaria.
Quando o SWP deixou o centro internacional da IV no início dos anos 80 (o que prenunciava uma divisão mais definitiva com o trotskismo no fim daquela década), o partido chamou Joanna de volta abruptamente. Naquela época, o SWP estava enviando seus quadros para empregos industriais, alegando que era necessário se preparar para uma revolta da classe trabalhadora que estava por vir.
De volta a Cleveland, Joanna assumiu uma série de empregos em fábricas de aço, vestuário, móveis e outras indústrias. Essa experiência como trabalhadora comum deu a ela uma visão inestimável da classe trabalhadora americana. No setor de vestuário, ela observou que raramente havia reuniões sindicais e que o representante sindical simplesmente negociava contratos para os trabalhadores sem a participação deles. Ela prestava muita atenção e apoiava qualquer sinal de militância entre seus colegas de trabalho, concentrando-se particularmente na dinâmica racial.
Em uma fábrica de aço onde trabalhava, ela escreveu para o The Militant sobre uma discussão que observou entre colegas de trabalho que debatiam se os Estados Unidos deveriam intervir na crise dos reféns no Irã. Aqueles que eram veteranos do Vietnã, tendo testemunhado os horrores da guerra, estavam mais “conscientes” sobre não cometer a imprudência de enviar tropas para o exterior. Ela observou que foi um “veterano negro [que] encerrou a discussão” — e “ninguém disse nada depois disso”.(2)
Em outra ocasião, ela e outros colegas de trabalho brancos se solidarizaram com seus colegas negros que enfrentavam discriminação em um bar local. Mas os momentos de solidariedade foram extintos pela devastação da classe trabalhadora industrial que ela testemunhou em primeira mão à medida que o neoliberalismo se intensificava.
Um novo começo
No início da década de 1980, o SWP havia completado sua transformação em uma seita totalmente insular e antidemocrática sob a liderança de Jack Barnes, que anunciou a ruptura do SWP com o trotskismo e expurgou aqueles que não seguiam a nova linha. Expulsa com mais de 100 outras pessoas, Joanna teve que recomeçar. Ela se juntou a uma brigada de trabalho na Nicarágua, cozinhando para os sandinistas enquanto eles repeliam os ataques dos “contra” perto da fronteira com Honduras.
Na cozinha com as militantes sandinistas, ela se lembra de ter aprendido mais sobre política revolucionária do que com a educação política formal e as discussões que os estrangeiros realizavam à noite. Ela observava essas mulheres organizando seu próprio trabalho, administrando seus locais, lendo umas para as outras e discutindo quanto deveriam receber por seu trabalho.
Sua receptividade às experiências e ao poder das mulheres no Sul global de lutar de forma criativa e autônoma por um mundo melhor — às vezes lutando contra seus próprios líderes e partidos — moldou de forma crucial sua política pelo resto de sua vida.
Foi sua experiência com revolucionários e trabalhadores militantes em vários continentes que permitiu a Joanna ser particularmente sensível às condições objetivas da revolução mundial. A essa altura, ela já estava chegando à conclusão que a IV adotaria formalmente mais tarde: nesta recessão global, a consciência de classe estava se fragmentando.
À medida que a sorte da esquerda declinava, ela permanecia firme em sua política revolucionária, apelando realisticamente aos seus companheiros para que revisassem suas estratégias diante da nova realidade. Isso significava que eles deveriam buscar o diálogo, o engajamento e o reagrupamento (quando apropriado) entre diferentes correntes e tradições.
Após uma breve passagem pela Socialist Action com outros membros expulsos do SWP, ela ajudou a formar a efêmera Socialist Unity, que logo se reagrupou com militantes de outras tradições trotskistas e pós-trotskistas: a Workers’ Power, a International Socialists (IS) e um coletivo socialista-feminista com sede em Madison se uniram para formar o Solidarity.
A fim de ajudar a elaborar os princípios de unidade e construir uma conferência fundadora para o Solidarity, Joanna fez parte de uma equipe que se mudou para Detroit, onde o IS tinha um escritório. Os princípios continham o entendimento de que poderia haver diferentes análises da União Soviética e de Cuba, mas um firme compromisso com a oposição ao imperialismo dos Estados Unidos.
No início, Ernest Mandel alertou Joanna que nenhuma organização revolucionária poderia acomodar revolucionários com avaliações diferentes do caráter de classe da União Soviética, ao que Joanna respondeu: “Observe-nos”. Outro desafio em reunir militantes de diferentes tradições era como permitir que aqueles expulsos do SWP mantivessem seu direito de manter uma relação com a IV. A solução foi formar um grupo da IV ao qual os membros do Solidarity fossem livres para aderir. Ao longo dos anos, os membros apreciaram ter essa relação internacional, e o grupo como um todo se filiou à IV.
Joanna (à direita) trabalhando em uma mesa durante a greve dos professores de Chicago.
O Solidarity não se proclamou como uma nova “vanguarda” revolucionária da classe trabalhadora, mas tentou aproveitar o melhor das diferentes tradições para reconstruir uma ampla corrente de militantes nos EUA. Isso significava estar abertos ao processo contínuo de reagrupamento ou refundação. “Olhe para fora”, ela gostava de dizer.
Como outros fundadores do Solidarity, Joanna acreditava que uma nova visão entre as diferentes correntes da esquerda socialista não só era possível, mas necessária depois da queda da União Soviética. A base fundamental do stalinismo, ou seja, um compromisso acrítico com a União Soviética, não era mais relevante para a esquerda. Ela continuou a defender essa orientação com outros líderes na arena internacional como membro do Secretariado Unificado da IV na década de 1990.
A essa altura, o impulso de Joanna não era motivado por perspectivas revolucionárias, mas, ao contrário, por condições globais cada vez mais angustiantes. Sua recomendação estratégica partia de um reconhecimento honesto da realidade: no final do século XX, estava claro que o socialismo revolucionário havia sofrido um revés histórico mundial. Com algumas exceções — como nos movimentos operários na África do Sul, Polônia, Brasil e Coreia do Sul —, não havia mais a consciência de uma “classe para si”.
Isso não significava que os princípios revolucionários estivessem desacreditados ou que nossos movimentos nunca iriam reviver — mas eles precisavam de um novo começo que levasse em conta de forma verdadeira os reveses políticos sofridos. Como Joanna escreveu em 1992, “as classes trabalhadoras estão em retirada, em termos de sua capacidade de enxergar uma visão alternativa da sociedade e se organizar para alcançá-la”.(3)
A esquerda socialista revolucionária havia se tornado uma minoria insignificante dentro da classe trabalhadora. A base objetiva para as vanguardas revolucionárias havia deixado de existir em um sentido significativo. Qualquer renascimento do movimento comunista global deveria começar com a compreensão dessas condições.
Para usar os termos de Lenin, há momentos em que os revolucionários devem saber como recuar de maneira ordenada, como ele refletiu sobre os problemas do comunismo de guerra e da contrarrevolução em toda a Europa após a Primeira Guerra Mundial. Mas a escala da recessão e da derrota da esquerda desde 1990 foi muito mais profunda e generalizada do que naquela época.
Essa foi a tarefa que Joanna e os revolucionários que sobreviveram à onda de desilusão que destruiu o que restava da geração de 68 enfrentaram: como encontrar uma orientação estratégica para reconstruir o poder de classe — as condições necessárias para os revolucionários prosperarem — quando elementos essenciais da consciência e da organização de classe se fragmentaram em todo o mundo.
Essa clareza, como a própria Joanna relatou, só se desenvolveu à medida que ela amadureceu como socialista. Em uma troca de ideias no Boletim Em Defesa do Marxismo, ela admitiu que tinha “uma visão um tanto mecânica” de como construir a política da classe trabalhadora em direção a um partido classista nos Estados Unidos, quando era mais jovem. No entanto, como ela mesma disse, “a vida, o passar do tempo e os acontecimentos devem nos sensibilizar para a enorme complexidade do processo de romper com o colaboracionismo de classe. Os primeiros passos parciais e hesitantes, desiguais em termos de região, setor, raça e gênero, podem muito bem somar-se ao que agora entendo ser um processo e não um acontecimento. Isso não nega a necessidade de continuar a colocar o “se” — “se o movimento trabalhista se separasse”, etc.”(4)
Joanna escreveu essas palavras após a derrota da segunda e última tentativa da Coalizão Arco-Íris de apoiar a candidatura de Jesse Jackson à indicação presidencial do Partido Democrata (1988). Sua contribuição para o debate entre revolucionários da década de 1980 em um panfleto do Solidarity sobre as possibilidades e limitações da campanha de Jackson é talvez a mais citada de suas obras escritas.(5)
Sua atitude em relação à Coalizão Arco-Íris era sutil. Ela era absolutamente clara sobre a importância histórica da campanha de Jackson como um farol para uma classe sitiada pelo governo Reagan. A campanha expressava “um dos poucos indicadores do sentimento e da combatividade da classe trabalhadora. A resposta dos trabalhadores e agricultores brancos a essa revolta liderada por negros foi um verdadeiro golpe contra as divisões raciais em nossa sociedade”.
No entanto, havia uma contradição fatal que “desviou as esperanças por meio da estratégia de atuação dentro do Partido Democrata e se protegeu incentivando protestos, greves e mobilizações independentes e autossuficientes em muitas frentes”. No final das contas, “embora o Solidarity não faça parte do Rainbow devido à nossa oposição a trabalhar no Partido Democrata, não nos sentimos distantes dos milhares de ativistas que trabalharam para Jackson pensando que isso aceleraria a mudança social urgentemente necessária. Esperamos continuar a discussão sobre a estratégia para o nosso empoderamento, especialmente após a prometida convenção pós-Atlanta do Rainbow”.
Ela estava empenhada em cultivar essa aliança com os revolucionários que apoiavam a campanha de Jackson, apesar das divergências. Ela se manifestou como uma voz crítica em painéis com apoiadores de Jackson, incluindo muitos do Novo Movimento Comunista. Tal perspectiva era impopular entre os numerosos ativistas enraizados nas comunidades negras. Mas mesmo em suas divergências, ela reconhecia a paixão e o valor histórico da campanha — que todos os apoiadores de Jackson estavam fazendo algo significativo. Ela exortou todos a considerarem as limitações de lutar pela indicação do Partido Democrata e enfatizou o uso do momento para cultivar um veículo político independente.
Depois que a campanha Rainbow vacilou e a União Soviética caiu, Joanna não hesitou em continuar seus esforços para encontrar pontos em comum com outras correntes revolucionárias e elaborar uma nova estratégia para reorientar a esquerda. Junto com pessoas de outras correntes, de Max Elbaum a Ethan Young, ela abordou diferentes organizações — maoístas, trotskistas, novos comunistas etc. — exortando todos a se sentarem “como companheiros revolucionários para traçar o que é importante e o que não é para o século XXI... e unir nossas forças”.
Para Joanna, diante do declínio das perspectivas revolucionárias, tais diferenças eram secundárias em comparação com a tarefa maior de reconstruir um movimento geral da classe trabalhadora. Os revolucionários sobreviventes do século XX deveriam se apoiar em diferentes experiências e tradições “para localizar as possibilidades, o ritmo e a forma em que a luta de classes pode se desenvolver, a fim de chegarmos a conclusões estratégicas”.
Essas conclusões poderiam então ser traduzidas em avaliações e tarefas programáticas concretas, fornecendo uma nova base para o reagrupamento entre organizações revolucionárias, em vez de permanecerem limitadas e divididas por rótulos e estruturas do século XX (ao mesmo tempo em que se lembram de suas lições).
Joanna sempre sentiu que suas contribuições políticas eram mínimas no grande esquema da história. Mas ela se orgulhava de reivindicar esse modelo estratégico como contribuição pequena, mas importante, do Solidarity e dela própria para a IV Internacional.
Quando ela defendeu pela primeira vez o reconhecimento do Solidarity pela IV, Mandel e alguns outros líderes receberam esse esforço com certo ceticismo. Mas com a resolução de 1995, a IV começou a acolher o pluralismo e a abertura em relação a outras correntes revolucionárias, o que continua até hoje em todos os continentes.
Nas décadas seguintes, Joanna continuou a aproveitar todas as oportunidades que surgiram. Na década de 1990, ela apoiou e organizou os Comitês de Correspondência (6), liderados por muitos líderes negros que haviam estado no Partido Comunista. Ela colaborou com membros do Solidarity e outros socialistas para estabelecer as escolas Revolutionary Work in Our Times (RWIOT), nas
quais revolucionários de diferentes tradições podiam participar de discussões.
Ela ajudou a formar e liderar a LeftElect,(7) , que reuniu líderes de grupos tão diversos como o partido nacionalista negro New Afrikan Independence Party e a Cooperation Jackson, a organização pós-trotskista International Socialist Organization (ISO) e a Socialist Alternative, além de esforços mais amplos de política independente, como a Richmond Progressive Alliance e o Vermont Progressive Party.
Reforma e Revolução
Esses esforços não ganharam impulso. No entanto, por meio do Solidarity, ela manteve acesas as chamas do socialismo revolucionário e do poder dos trabalhadores. Nesse período de refluxo, o Solidarity continuou sendo uma das organizações revolucionárias de esquerda que canalizava radicais para os sindicatos, lutando por reformas no local de trabalho para reconstruir a consciência de classe no nível mais granular da classe trabalhadora: o grupo New Directions entre os trabalhadores do transporte público em Nova York, o Teamsters for a Democratic Union, as forças de base do Sindicato dos Professores de Chicago etc.
Fez o possível para manter uma infraestrutura para unir esses esforços a lutas maiores contra a opressão, desde protestos contra novas aventuras imperialistas americanas, como a Guerra do Golfo, até a construção de movimentos feministas. É possível encontrar o legado dessas iniciativas em instituições como a Labor Notes e no renascimento da organização sindical de base no DSA.
O fato de o Solidarity nunca ter se tornado a nova “vanguarda” dos movimentos da classe trabalhadora não incomodava Joanna. Ela certa vez brincou que “a melhor coisa que poderia acontecer ao Solidarity era ele sair de cena”, “misturando-se” com outras correntes como parte de um “novo começo” na forma de um renascimento mais amplo da organização socialista de massa.
Durante esse período, Joanna se mudou para Chicago, onde trabalhou na SEIU 73. Durante anos, a degeneração macular afetou sua capacidade de ler e ela acabou cega. No começo, isso não impediu seu envolvimento na política. Sua visão de unidade socialista se concretizaria na última década de sua vida, quando a DSA cresceu para dezenas de milhares de membros a partir da primeira campanha presidencial de Bernie Sanders.
Eu me radicalizei nessa época e conheci Joanna como uma das primeiras e mais ferrenhas defensoras da adesão e construção do DSA pelo Solidarity. Joanna insistia que o que estávamos fazendo não era “entrismo”. Em outras palavras, não se tratava de tentar entrar na DSA como um pequeno núcleo organizado com um plano predeterminado para assumir o controle e conquistar o poder para nós mesmos. Nós nos juntamos com a intenção de construí-lo seriamente, organizando-nos com e aprendendo com as dezenas de milhares de pessoas recém-radicalizadas pelo socialismo.
Nesse ponto, ela foi inflexível: revolucionários de todos os tipos falharam no século XX, razão pela qual devemos trazer o que pudermos para os movimentos de hoje, permanecendo abertos a soluções trazidas por uma nova geração.
Organizadora socialista
Ela era cautelosa com o surgimento de facções rivais no DSA, e com novos militantes se juntando a elas muito cedo, temendo que elas dessem lugar ao fracionalismo destrutivo que ela havia testemunhado durante grande parte de seu tempo na esquerda. Enquanto os debates sobre o potencial ou as limitações da DSA se acirravam na esquerda socialista, o entusiasmo de Joanna pela organização renascida era direto. Depois de participar de reuniões de grupos de oito ou nove pessoas durante a maior parte de sua vida política, ela estava extasiada por estar regularmente em uma sala com mais de cem pessoas que se identificavam como socialistas em sua seção de Chicago.
O fato de sua política ser pouco desenvolvida tinha pouca importância. Era uma geração totalmente nova de jovens que se autodenominavam socialistas, ansiosos para começar a trabalhar para mudar o mundo ao seu redor em nome do socialismo. No entanto, ela estava atenta à falta de diversidade racial no DSA. Ela defendeu esforços que permitissem ao DSA conquistar a confiança das comunidades negras marginalizadas por meio de ações. Nesse sentido, ela via os primeiros esforços de ajuda mútua do DSA como positivos (como consertar luzes de freio para membros da comunidade em bairros pobres, para reduzir as interações com a polícia).
Ela também insistia que o DSA deveria tentar se afiliar e construir com organizações negras, tanto “cimentando nosso vínculo comum além de uma reunião pontual de coalizão” quanto “honrando a existência [independente] das organizações negras e pardas”.
A dedicação de Joanna à unidade e ao pluralismo não a impedia de assumir posições fortes e até mesmo intransigentes. Ela podia ser polêmica, bem conhecida entre seus companheiros pela intensidade de sua sagacidade e pela perspicácia de suas intervenções. Eu testemunhei uma defesa feroz e incisiva, por parte dela, de posições impopulares nas convenções da Solidarity, incluindo aquelas com as quais eu discordava.
Ela raramente media as palavras, sempre fazendo comentários políticos penetrantes com brevidade, clareza e determinação. Ela também era capaz de muito carinho e alegria, com suas calorosas boas-vindas aos companheiros, muitos dos quais ela compartilhava alguns copos de cerveja ou cigarros após reuniões políticas, mesmo depois de passar dos 70 anos.
Embora nunca tenha tido o prazer de morar na mesma cidade que ela, por um tempo, compromissos pessoais e políticos me levaram a Chicago várias vezes por ano. Cada vez, eu processava minhas atividades políticas recentes com ela e ouvia suas avaliações e sugestões. Isso continuava por telefone, especialmente durante meu tempo como funcionário do Solidarity.
Certa vez, eu disse a Joanna que ela tinha desempenhado um papel fundamental não apenas na minha formação política, mas também na de muitas novas gerações de ativistas da Solidarity. Ela achou isso engraçado, alegando que tudo o que fazia era sair com jovens camaradas. O máximo que ela alegava fazer era beber mais e ficar acordada até mais tarde do que todos nós.
De qualquer forma, Joanna tinha certeza de que nenhuma visão de política revolucionária teria sentido sem que as massas populares, desde revolucionários de longa data até os novos, se unissem para descobrir como reconstruir um movimento de classe para si mesmo. Ela observou em 2016 que, embora os socialistas ainda devessem se comprometer com o horizonte de construir um partido de massas independente do sistema bipartidário, também deviam entender que “a pequena e fragmentada esquerda revolucionária não pode criar esse partido explicando-o pacientemente. Forças sociais reais devem convergir em ação para criar tal partido”.(8)
Esse sentimento ecoa o da marxista chilena Marta Harnecker, por quem Joanna e eu compartilhamos admiração. Harnecker disse uma vez que uma vanguarda “não é algo que um partido concede a si mesmo, mas algo que é conquistado através da luta e que não pode haver vanguarda sem retaguarda”.(9)
Não há vanguarda sem “retaguarda”
Como reconstruir essa retaguarda não é uma questão que possa ser respondida com dogmas do passado. Isso exige um socialismo que não seja “bíblico” e “não se apegue a um único modelo de revolução”. Não pode ser construído com base na “fetichização das tendências do século XX” — especialmente a União Soviética, uma concepção ortodoxa do partido “leninista” etc. O desafio parte da necessidade de uma organização socialista que tenha um “peso social” genuíno nas classes trabalhadoras. Esse esforço requer os esforços de revolucionários antigos e novos.
Os últimos anos de Joanna também foram marcados pela ascensão de movimentos autoritários e de extrema direita em uma escala nunca vista em quase um século. A luta de classes global está agora claramente na defensiva. Mais uma vez, unificar movimentos (desta vez contra a crescente ameaça do fascismo) foi o instinto de Joanna. Nesse espírito, ela escreveu em 2020 que “circunstâncias únicas e urgentes podem exigir que rompamos com nossa antiga estratégia de clamar por uma alternativa eleitoral independente, quando não há nenhuma significativa para defendermos e apoiar”.(10)
Isso não foi um apelo ao apoio político à campanha de Joe Biden, mas à priorização da mensagem “Dump Trump, Fight Biden” (Derrube Trump, lute contra Biden) nas urnas como uma entre muitas táticas para combater a extrema direita. Embora alguns dos companheiros de longa data de Joanna e eu discordássemos dessa posição, achando que ela se inclinava demais para o popular-frentismo, poucos de nós questionamos que sua abertura para atualizar suas posições e análises sempre se baseava em fazer o que ela acreditava ser melhor para as classes trabalhadoras se fortalecerem e viverem para lutar outro dia — e, eventualmente, construir um poder ofensivo.
Esse compromisso a mantinha aberta a reavaliar as condições objetivas e revisar as tarefas organizacionais e programáticas — mesmo modificando algumas de suas próprias posições estratégicas e até mesmo artigos de fé — enquanto defendia com ousadia e honestidade essas mudanças e suas consequências no julgamento dos companheiros. Essa coragem de admitir erros e mudar de rumo também significava abrir-se ao risco de novas divergências com os outros. Mas esse risco é precisamente a aposta da política revolucionária, que deve sempre ser informada pela disposição de enfrentar a luta de classes num mundo envolto pela névoa da guerra, com pouco espaço para dogmas ou garantias.
Tentar mudar esse mundo é aceitar esse risco. E mudar o mundo exige compreender que nenhuma visão de unidade seria politicamente válida sem que companheiros revolucionários lutem abertamente juntos por suas diferenças, à vista de todos. Isso é algo de que Joanna Misnik nunca se esquivou — o que a torna uma das socialistas revolucionárias americanas mais importantes de nosso tempo.
Pós-escrito: Sou grato a outros camaradas próximos de Joanna por também contribuírem para o arquivamento de suas palavras e vida. Todas as citações não referenciadas se referem a uma das duas fontes: gravações de história oral com Joanna conduzidas por Simon Swartzman, Robin Peterson e Isaac Silver em 2021; ou a palestra de Joanna em Chicago sobre sua vida política em 2018, moderada pelo editor da Jacobin, Micah Uetricht.(11) Em particular, gostaria de agradecer a Alex De Jong, Penny Duggan, Dianne Feeley, David Finkel, Anne Krantz, Isaac Silver e Alan Wald pelo apoio editorial e outros tipos de apoio.
Novembro-dezembro de 2025, ATC 239
1. Veja a resolução da Quarta Internacional de 2018, “Papel e tarefas de construção do partido da Quarta Internacional”, para uma análise da resolução de 1995 sobre partidos amplos, https://fourth.international/en/world-congresses/511/3
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2. Veja a edição de 30 de novembro de 1979 do The Militant para vários relatórios sobre a oposição à campanha bélica de Carter contra o Irã, https://www.themilitant.com/1979/4346/MIL4346.pdf
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3. Joanna Misnik, “Opening of a New Century” (Abertura de um novo século), Against the Current, n.º 41 (novembro/dezembro de 1992), https://againstthecurrent.org/atc041/p5055/
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4. Joanna Misnik, “Revolutionary Marxists and the Jackson Campaign” (Marxistas revolucionários e a campanha de Jackson), Bulletin in Defense of Marxism, n.º 5 (setembro de 1988): 9-10, https://www.marxists.org/history/etol/newspape/bidom/n55-spt-1988-bom.pdf
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5. Joanna Misnik (ed.), com contribuições de David Finkel, Roger Horowitz, Kim Moody, Dianne Feeley e Robert Brenner, The Rainbow and the Democratic Party — New Politics or Old?: A Socialist Perspective (Detroit: Solidarity, 1988). https://solidarity- us.org/rainbow1988/
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6. Joanna Misnik, “Comitê de Correspondência Olhando para o Futuro”, https://www.marxists.org/history/etol/newspape/atc/5097.html
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7. https://leftelect.net/
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8. Joanna Misnik, “Turning It Around: Long-Term Organizing in the U.S.”, Socialist Project, 23/11/2016, https://socialistproject.ca/2016/11/b1333/
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9. Marta Harnecker, Rebuilding the Left (Londres: Zed Books, 2013), 50.
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10. Comunicação por e-mail de Joanna Misnik ao Comitê Nacional de Solidariedade em 26 de março de 2020.
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11. Para ver a entrevista de 2018, acesse https://midwestsocialist.com/tag/joanna-misnik/
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