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Uma história política do Democratic Socialists of America (1982-2025)

por Laura Waldin
Membro do DSA em um comício de Bernie Sanders na Califórnia, março de 2020. (Crédito da imagem: Cory Doctorow via Wikimedia Commons, licença CC BY-SA 2.0.)

ublicamos aqui artigo histórico de autoria de uma militante estadunidense, membro da Comissão Política Nacional do Democratic Socialista of America, Laura Waldin. Embora o estudo tenha sido escrito para o público interno ao DSA, o texto é muito útil para socialistas e ativistas do mundo inteiro compreenderem de onde surgiu, o que é e como pode evoluir essa que é uma das maiores organizações de esquerda do globo.
 

Poucos membros do DSA conhecem bem a história da organização, mas muitos de nós compreendem o quanto ela é especial. Não existe nenhum outro grupo em todo o país, incluindo sindicatos, que tenha uma base militante tão ampla e uma democracia interna capaz de examinar seriamente as grandes questões políticas e, em seguida, elaborar um plano para organizar os trabalhadores para que lutem por seus próprios interesses como classe. No entanto, mesmo que isso seja teoricamente possível dentro do DSA, o movimento socialista americano continua modesto e politicamente imaturo.

Do ponto de vista histórico, existem basicamente dois DSA: o DSA pré-Bernie (1982-2014) e o DSA pós-Bernie (de 2015 até hoje). Apenas uma pequena parte dos membros do DSA (incluindo eu) estava organizada antes da campanha presidencial de Bernie Sanders dar nova vida à ideia do “socialismo democrático” em 2015. Muitos dos membros ativos atualmente só se tornaram socialistas nos últimos anos ou meses. Mas por que as pessoas se juntaram ao DSA em vez de aderirem a outra organização socialista ou “de esquerda”? Como era o DSA antes de ser inundado por jovens recém-radicalizados? E como esses novos membros moldaram o DSA para torná-lo a organização que conhecemos hoje?

O tempo anterior (1982-2011)

Como o renascimento do DSA se deve às duas campanhas presidenciais do socialista-democrata Bernie Sanders, faz sentido que o DSA seja a continuação do Partido Socialista da América (1). Foi na linha desse partido que Eugene Debs obteve quase um milhão de votos em duas de suas campanhas presidenciais, mesmo estando preso por se opor à Primeira Guerra Mundial! O DSA foi criado em 1982, após a fusão do Democratic Socialist Organizing Committee (Comitê de Organização Socialista Democrática, DSOC) e do New American Movement (Novo Movimento Americano, NAM). O DSOC era um grupo liderado por Michael Harrington, que se separou do Partido Socialista da América. O NAM foi fundado em 1971 como uma organização socialista-feminista não vanguardista. Na convenção fundadora do DSA em Detroit, a organização contava com 6.000 membros.

Michael Harrington (2) foi o presidente e a figura de proa do DSA desde a criação da organização até sua morte em 1989. Ele é conhecido por ter sido um orador prolífico e por ter viajado pelo país para promover sua visão do socialismo. A autora marxista e feminista Barbara Ehrenreich ocupou o cargo de copresidente do DSA, assim como outras personalidades de esquerda de destaque, como o professor e autor Cornel West. Vários políticos eleitos também eram membros do DSA, como o deputado Major Owens, o deputado Ron Dellums e o prefeito de Nova York David Dinkins (outro elemento de continuidade com a campanha de Zohran Mamdani (3)).

Qual era a política do DSA na época? O “socialismo democrático” era apresentado em oposição aos grupos comunistas com disciplina interna rígida e que defendiam as práticas autoritárias da União Soviética. O DSA também contava em suas fileiras com muitos “sionistas trabalhistas” (4) que defendiam um Estado social-democrata em Israel, em detrimento dos direitos dos palestinos. Durante os anos 80, o DSA envolveu-se fortemente em campanhas de solidariedade com os sandinistas da Nicarágua e com os rebeldes de esquerda em El Salvador. A sua ala jovem também foi ativa no movimento contra o apartheid na África do Sul.

Fundamentalmente, o DSA privilegiava a estratégia eleitoral do “realinhamento”, ou seja, o uso do Partido Democrata como uma ferramenta para o poder da classe trabalhadora e o projeto de reformá-lo por dentro. Essa abordagem contrastava com a de Bernie Sanders – que conquistou seu lugar no Congresso em 1990 como independente e que, na época, formulava uma crítica de esquerda ao DSA. Ela também contrastava com a dos socialistas, que formaram e lideraram o Partido Trabalhista dos EUA de 1996 a 2001 (5). O DSA mantinha relações amigáveis com figuras proeminentes do movimento operário e se abstinha de intervir nos conflitos internos dos sindicatos. Embora o DSA não tenha apoiado Jesse Jackson para a Presidência em 1984, fez parte da Rainbow Coalition que apoiou a segunda campanha de Jackson em 1988 [nas primárias democratas, Nota do Editor].

O colapso da União Soviética em 1991 constituiu um revés histórico mundial que levou a um período de desesperança para o movimento socialista internacional. Muitos grupos socialistas e comunistas se dissolveram ou, como o DSA, mal sobreviveram entre os anos 90 e os 2000. Embora o DSA tivesse então atingido 10.000 membros oficiais, não estava operacional na maior parte do país (6), principalmente devido à perda de Harrington, o líder carismático que faleceu em 1989. Por outro lado, os Young Democratic Socialists (Jovens Socialistas Democráticos, o braço juvenil do DSA, hoje chamado YDSA) estiveram ativos em muitas cidades e colaboraram com grupos afins, como o Jobs with Justice [Empregos com Justiça]. Entre 2001 e 2014, aproximadamente, a YDSA contava com uma pequena equipe que manteve a organização funcionando e formou camaradas que mais tarde assumiriam a liderança do DSA.

Antes do renascimento (2011-2015)

Uma das figuras de proa da YDSA foi Maria Svart, que ocupou o cargo de co-presidente da YDSA antes de se tornar membro do Comitê Político Nacional (NPC) do DSA, a mais alta instância decisória entre os congressos. Ela foi contratada como diretora nacional em 2011 e liderou o DSA durante seu período de renascimento.

Esse período viu o surgimento de vários movimentos populares poderosos: Occupy Wall Street e a Primavera Árabe em 2011, Fight for $15 em 2012 e Black Lives Matter em 2013. O Occupy, em particular, desempenhou um papel decisivo no uso de referências de classe conscientes (“Nós somos os 99%”) para popularizar reivindicações políticas social-democratas, como o imposto sobre os ricos. O movimento socialista também ganhava força fora do DSA. A revista Jacobin, que acabara de ser fundada por Bhaskar Sunkara em 2010, organizava grupos de leitura (7) e ajudava a promover uma análise socialista dentro da esquerda do DSA. Kshama Sawant foi eleita para o conselho municipal de Seattle em 2013. Ela representava o grupo trotskista Socialist Alternative (8) e serviu de modelo contemporâneo, como militante política socialista e organizadora.

A criação do Left Caucus (tendência de esquerda) em 2014 abriu caminho para ideias mais orientadas para a esquerda que questionavam alguns princípios básicos do DSA. O Left Caucus era um grupo interno que defendia candidaturas abertamente socialistas, a adesão a um programa comum e a saída da Internacional Socialista, considerada neoliberal. Também era favorável ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra o Estado de Israel, mas ainda era difícil falar explicitamente de antissionismo.

No início de 2015, o DSA lançou uma campanha para incentivar Bernie Sanders a concorrer à Presidência, intitulada “Run, Bernie, Run” (Concorra, Bernie!). Em várias cidades, pequenos grupos de membros do DSA montaram mesas do lado de fora dos eventos em que Bernie discursava e distribuíram panfletos para a multidão.

O renascimento (2015-2018)

Em abril de 2015, Bernie Sanders anunciou que se candidataria às primárias democratas, desafiando Hillary Clinton, então considerada favorita. Essa campanha era considerada arriscada. Ninguém podia saber o quanto essa corrida abalaria o cenário político. Nem mesmo Bernie, que anunciou sua candidatura sem alarde, diante de um pequeno grupo de jornalistas, em um ambiente incrivelmente monótono.

Naquele verão, a popularidade de Bernie disparou e o número de membros do DSA começou a aumentar. Durante os dois anos seguintes, os grupos de leitura da Jacobin se transformaram em seções locais do DSA. Na internet, personalidades de esquerda como os apresentadores do podcast Chapo Trap House (lançado em março de 2016), o tuiteiro Larry Website e os redatores da Jacobin incentivaram seus seguidores a se filiarem ao DSA.

Enquanto admirávamos Bernie por dizer a verdade sobre a classe dos bilionários e sofrer com as mentiras e calúnias dos Power Brokers, muitos trintões de esquerda passavam por uma mudança total de paradigma. Seu programa — especialmente o seguro saúde para todos, o ensino superior gratuito e a oposição às indústrias financeira, bélica e fóssil — despertou expectativas que Obama havia destruído. A política se repolarizou: era Bernie contra a elite rica, e sabíamos de que lado estávamos.

Quando Bernie perdeu, ficamos devastados, mas parecia certo que Hillary Clinton seria a próxima presidente. Praticamente ninguém na esquerda se preocupava com uma vitória de Trump. E então ele ganhou.

As pessoas entraram em pânico e ficaram doentes de tristeza. Na noite das eleições, manifestações eclodiram em todo o país. O número de membros do DSA explodiu imediatamente, passando de 8.500 no dia das eleições para 21.000 em maio de 2017. Eu me filiei em janeiro, depois de ler na grande imprensa um artigo que dizia que todos os apoiadores de Bernie estavam migrando para o DSA. A grande maioria de nós estava entrando pela primeira vez em uma organização socialista. Os membros recentes tinham tendências ideológicas muito diversas, desde militantes progressistas e refugiados do Partido Democrata até tendências mais à esquerda – anarquistas, maoístas ou leninistas, alguns dos quais vindos de outros grupos como a Organização Socialista Internacional (9).

As pessoas rapidamente perceberam que herdávamos uma organização descentralizada e pouco estruturada, onde geralmente se podia tomar iniciativas e fazer o que se quisesse. Alguns queriam mudar isso, mas era impossível: havia (e ainda há) muito poucos membros do DSA formados em um modelo mais centralizado e com as competências políticas ou as qualidades de liderança necessárias para levar a cabo essa mudança. A horizontalidade também era uma perspectiva muito popular, resultante tanto da herança do Occupy Wall Street quanto de uma reação às experiências negativas de grupos de esquerda regidos pelo centralismo democrático. Essa tendência correspondia ainda mais ao individualismo hegemônico na cultura das correntes progressistas. Surgiram debates sobre a disciplina coletiva que deveríamos esperar em relação à natureza “aberta” e à autonomia dos membros. A nível nacional, o aparelho e os antigos membros do partido, temendo que a nova vaga de membros pudesse desviar o DSA da sua trajetória, ou mesmo destruí-la, tiveram um forte peso nestes debates.

O governo Trump começou seu mandato com força, com a “proibição aos muçulmanos” (10), rapidamente contrariada por manifestações nos aeroportos e uma greve dos motoristas de táxi. Isso demonstrou o potencial de resistência popular e da esquerda ao programa de Trump, apesar do surgimento de grupos de extrema direita, como o QAnon e os Proud Boys.

Em 2017, durante a convenção do DSA, a nova geração de membros assumiu oficialmente o comando. Os delegados aprovaram três propostas que diferenciaram definitivamente o DSA do movimento The #Résistance (11):

1. Incluir nos princípios do DSA o apoio à campanha BDS, 

2. Deixar a Internacional Socialista;

3. Lançar uma campanha a favor de um seguro de saúde universal (Medicare for All), campanha que foi o primeiro projeto organizacional da nova versão do DSA, coordenando todos os membros além das seções locais.

Ecos do renascimento (2018-2020)

Enquanto nos posicionávamos no contexto desse renascimento, o sentimento dominante na época era de que “tudo era possível”. Tínhamos acabado de passar por uma revolução total nas normas políticas e víamos novos avanços ao nosso redor. O exemplo mais marcante é o de Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), uma garçonete da geração Y, partidária de Bernie Sanders, que se definia como socialista democrática e derrotou o segundo democrata mais poderoso do Congresso, Joe Crowley, em uma vitória retumbante e surpreendente em junho de 2018. (O dia de sua vitória ainda detém o recorde de número de adesões ao DSA por dia). Alguns meses depois, ela se juntou aos jovens ativistas do Sunrise Movement (12) que ocupavam o escritório da democrata Nancy Pelosi. Rashida Tlaib, apoiadora de Bernie, também venceu as primárias naquele ano e se tornou a primeira palestina americana — e uma das duas primeiras mulheres muçulmanas, junto com Ilhan Omar — a ser eleita para o Congresso. Alexandria Ocasio-Cortez, Rashida, Ilhan e a deputada Ayanna Pressley formaram o The Squad [o esquadrão]. Esse grupo era respeitado por muitos membros do DSA como a primeira oposição de esquerda visível, em nossa vida, ao aparato do Partido Democrata, apesar de sua hesitação em enfrentar diretamente a liderança do partido.

Embora AOC e Rashida fossem membros do DSA, a organização não tinha pretensão de se apropriar das ações do Esquadrão. AOC e Rashida não eram membros ativos do DSA, e suas vitórias não foram realmente o resultado de campanhas conduzidas pelo partido. A primeira grande vitória eleitoral que pode ser realmente atribuída ao DSA foi a de Julia Salazar, que venceu as primárias democratas para o Senado do Estado de Nova Iorque em setembro de 2018 (e depois o lugar em novembro). Posteriormente, em 2019, a seção do DSA de Chicago apresentou e elegeu seis vereadores socialistas-democratas para a Câmara Municipal. Em 2020, a seção de Nova York apresentou e elegeu sete socialistas democratas para a Assembleia do Estado de Nova York (incluindo Zohran Mamdani). Em todo o país, as seções locais elaboraram seus programas eleitorais, aprovaram medidas a serem referendadas e elegeram seus próprios membros para cargos locais.

Este período também foi marcado por uma onda histórica de greves de professores, desencadeada pela greve selvagem e ilegal de 2018 na Virgínia Ocidental. Os professores de Oklahoma e do Arizona entraram em greve em 2018, e os da Virgínia, Denver, Los Angeles, Oakland e Chicago fizeram o mesmo em 2019, inspirando outras ações sindicais #RedForEd em todo o país. Os membros do DSA e os apoiadores de Bernie Sanders estavam entre as pessoas que organizaram e lideraram essas greves. Assim como nas novas vitórias eleitorais, não nos contentamos em aplaudir nos bastidores: fomos atores importantes no terreno, tanto como militantes de base quanto como apoiadores ativos das campanhas de solidariedade coordenadas pelo DSA.

A convenção do DSA de 2019 concentrou-se em duas questões fundamentais:

1. O DSA deve ser uma rede descentralizada de seções locais, ou há interesse em ter uma organização nacional forte e unificada?

2. O DSA deve se orientar para as pessoas já radicais e as “mais marginalizadas”, ou deve se orientar para toda a classe trabalhadora e aqueles que têm peso estratégico dentro dela?

Nessa fase, pelo menos sete cáucus (tendências) nacionais se formaram, representando diversos elementos do espectro da esquerda anticapitalista. No final, o funcionamento mais horizontal e o projeto de prefigurar desde já um modelo de sociedade não prevaleceram, mas muitos desses debates complexos persistem até hoje.

A maioria dos membros envolvidos na nova fase do DSA só tinha participado da vida política em sua secção local – nunca na organização nacional – até discutirmos o apoio à campanha presidencial de Bernie Sanders em 2020. Apesar de seu papel essencial no renascimento do DSA, uma minoria significativa de membros (principalmente da ala esquerdista ou anarquista do DSA) se recusou a se envolver imediatamente. Os opositores invocaram problemas de procedimento (13), outros expressaram abertamente seu ceticismo em relação a Bernie (14) e à política “reformista” de seus apoiadores, e até mesmo às campanhas eleitorais em geral. Mas, em uma pesquisa online, 76% dos membros do DSA acabaram apoiando o lançamento de uma campanha “DSA por Bernie” (15). Dezenas de seções participaram simultaneamente desse projeto nacional empolgante: angariação de votos, organização de noites de debate, recrutamento de novos membros e surgimento de líderes socialistas.

É difícil descrever com palavras a euforia psicodélica que sentimos quando Bernie venceu as primárias de Nevada em fevereiro de 2020, e a angústia e o desespero que se seguiram, uma semana depois, quando ele perdeu na Carolina do Sul e, em seguida, na maioria dos estados na super terça. Muitos de nós colocamos em sua campanha os alicerces de nossa existência e todas as nossas esperanças para o futuro. Tudo aquilo em que colocamos nosso coração e nossa alma desmoronou muito rapidamente. Ao mesmo tempo, a vida pública começou a parar devido à pandemia da Covid-19. Milhões de pessoas foram demitidas praticamente da noite para o dia. As reuniões do DSA se transformaram em videoconferências no zoom. De repente, nos vimos sozinhos, desanimados e assustados.

O período da Covid (2020-2023)

Não tivemos muito tempo para lamentar a derrota de Bernie antes que uma nova onda de protestos do Black Lives Matter se espalhasse pelo país em resposta ao assassinato de George Floyd. Milhões de pessoas foram às ruas durante várias semanas, constituindo a maior mobilização de massa da história dos Estados Unidos. Isso politizou e radicalizou muitos trabalhadores. Mas em algumas seções do DSA, isso também gerou intensas discussões sobre raça e racismo, discussões que se tornaram difíceis e às vezes caricatas devido ao isolamento e às interações exclusivamente virtuais durante a pandemia. O céu vermelho dos incêndios florestais devastadores e sem precedentes de 2020, claramente causados pela aceleração das mudanças climáticas, aumentou nosso sentimento de desânimo e desorientação em relação ao futuro.

O número de membros do DSA continuou a aumentar até atingir um pico de 93.000 no início de 2021, após uma grande campanha de adesão. Esse crescimento foi difícil de estabilizar, pois estava desconectado de um projeto organizacional específico e de compromissos políticos concretos. Sem uma figura conhecida para agitar as multidões contra o establishment e sem o terror de Trump no poder, o DSA perdeu membros durante quase quatro anos.

Pouco depois do congresso de 2021, realizado exclusivamente online devido à Covid, uma batalha interna eclodiu quando Jamaal Bowman, membro da Câmara dos Representantes [dos Deputados], votou a favor de um aumento do financiamento do Domo de Ferro israelense (16). Como Bowman era membro do DSA e o DSA havia apoiado sua campanha, alguns membros lançaram uma petição para que ele fosse denunciado e expulso. Para piorar a situação, o grupo de trabalho BDS do DSA começou a agir como uma organização externa independente pressionando o DSA, o que levou o Comitê Político Nacional (NPC) a tomar medidas disciplinares contra ele. Embora o NPC tenha publicado uma declaração criticando Bowman (e Alexandria Ocasio-Cortez, que se absteve), esse incidente gerou debates, que continuam até hoje, sobre como reagir quando nossos representantes eleitos agem em contradição com nossas orientações políticas ou princípios, sobre a forma de expressar discordância dentro do DSA e sobre como lidar com grupos internos que assumem autonomia.

Em contraste com essas lutas internas, a Covid causou uma escassez de mão de obra que incentivou a combatividade dos trabalhadores e um renovado interesse pela questão do trabalho dentro do DSA. Em 2020, o DSA e a United Electrical Workers fundaram o Emergency Workplace Organizing Committee (EWOC), um projeto que visa a fornecer recursos e treinamento para pessoas não militantes que decidem se organizar em seus locais de trabalho. Em 2021, a YDSA lançou o Rank-and-File Pipeline Project (projeto de formação de militantes de base) para incentivar os jovens a trabalharem em setores estratégicos. Dezenas de membros do DSA encontraram emprego na UPS [empresa privada de entregas postais], e para se juntar aos Teamsters [caminhoneiros] e ajudaram a lista combativa liderada por Sean O'Brien a vencer a lista conservadora herdeira de Hoffa. Os ativistas da Starbucks e da Amazon venceram suas primeiras eleições sindicais, constituindo uma grande vitória sobre os gigantes do mundo dos negócios.

A conferência Labor Notes 2022 foi eletrizante, graças à energia e à esperança de milhares de jovens que participavam pela primeira vez. Em 2023, militantes combativos assumiram a liderança do United Auto Workers (UAW) após uma vitória surpreendente, com Shawn Fain como presidente. As seções locais do DSA também apoiaram inúmeras greves locais. A nível nacional, conduzimos campanhas “Strike Ready” para apoiar as greves preparadas na UPS e nas três grandes montadoras de automóveis. Após a histórica greve Stand Up Strike, o presidente do UAW, Shawn Fain, apelou aos sindicatos para que se preparassem para uma greve geral em 1º de maio de 2028.

Mas esse período rapidamente sofreu reveses. A política de adesões à YDSA foi abruptamente interrompida depois que uma resolução foi rejeitada por um voto em um congresso. Os Teamsters membros do DSA ficaram profundamente divididos em relação à corrente Teamsters for a Democratic Union [Caminhoneiros por um sindicato democrático] e sua orientação cautelosa em relação à decepcionante orientação do presidente O'Brien. A Unite All Workers for Democracy [Trabalhadores unidos pela democracia], a corrente combativa da UAW que elegeu o presidente Fain, teve dificuldade em resolver suas profundas divergências internas e acabou sendo dissolvida em 2025.

Uma virada política (2023-2024)

Na convenção nacional do DSA em 2023, os delegados elegeram um NPC com uma representação sem precedentes das tendências “de esquerda” (da qual faço parte, como membro da corrente Bread and Roses) – e, consequentemente, as correntes moderadas não têm mais a capacidade, por si só, de constituir uma maioria na direção. Isso perturbou seriamente o funcionamento habitual, pelo qual os dirigentes nacionais exerciam o comando, controlando o andamento das reuniões e a circulação de informações. Muitos de nós criticávamos a política moderada dos dirigentes e sua atitude desconfiada em relação aos militantes. No entanto, tínhamos vozes suficientes para obter um maior nível de transparência e abertura dentro da direção nacional.

Maria Svart renunciou ao cargo de dirigente nacional em janeiro de 2024. Naquela época, o NPC estava começando a enfrentar um déficit orçamentário significativo, o que gerou uma enorme controvérsia sobre demissões de funcionários e a questão do que os funcionários deveriam esperar quando seu empregador é uma organização socialista (refletindo debates semelhantes dentro do movimento trabalhista). Em um ano, 18 dos 30 funcionários se demitiram ou foram demitidos, incluindo todos os dirigentes que estavam no cargo sob a liderança de Svart, o que mostrou a solidariedade existente entre os dirigentes e os funcionários sindicalizados contra o NPC eleito. Essa renovação causou alguns problemas, mas também uma mudança cultural notável.

O novo NPC também rompeu com as práticas anteriores ao decidir não apoiar incondicionalmente Alexandria Ocasio-Cortez em junho de 2024. Muitos membros do DSA estavam cada vez mais chocados com sua atitude oportunista e sua proximidade com a estrutura do Partido Democrata. No entanto, a seção do DSA de Nova York estava determinada a preservar suas relações com AOC. Esse desacordo criou um fosso entre a seção e a organização nacional (principalmente porque Nova York é dominada por correntes agora minoritárias dentro do NPC), o que levou a direção de Nova York a interferir nas relações entre a nacional e Zohran Mamdani durante sua campanha para pré-candidato a prefeito um ano depois.

Embora as divisões políticas dentro do DSA continuem profundas, o NPC tornou-se um parlamento pluralista, e as pessoas estão cientes dessa dinâmica e se adaptam a ela de maneira saudável. A constituição de um bloco majoritário está ao alcance de todas as tendências, o que incentiva a tentar encontrar um terreno comum e convencer os outros de seu ponto de vista. Esse processo de negociação é essencial porque reforça a legitimidade democrática da estrutura e impede que as duas alas ajam de forma impulsiva e arrogante.

Foi então que ocorreu a mudança na consciência popular em relação à Palestina, após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. Em nível nacional, o DSA teve dificuldade em encontrar seu lugar em um movimento de protesto cuja camada militante era dominada por organizações sectárias de extrema esquerda e grupos de solidariedade à Palestina que criticavam o DSA por se associar a políticos como Bowman. Tivemos debates difíceis sobre como nos relacionar com esses grupos, falar publicamente sobre a violência política e como lidar com os membros do DSA que têm posições sionistas. Apesar dessas dificuldades, as seções locais estiveram constantemente presentes nas mobilizações contra o genocídio perpetrado pelo Estado de Israel em Gaza. A YDSA também foi significativamente ativa nos acampamentos de protesto que surgiram em campi universitários em todo o país, onde nossos membros lutaram arduamente para defender princípios democráticos int4ernos ao movimento.

Segundo mandato de Trump (2024-presente)

Com a aproximação das eleições presidenciais de 2024, os membros do DSA travaram intensos debates sobre como resolver a eterna contradição do “mal menor” (17): uma presidência de Trump certamente traria terror ao mundo, mas como poderíamos tolerar Biden, autor de um genocídio e inimigo da classe trabalhadora? O NPC finalmente chegou a um acordo sobre uma declaração que basicamente dizia: “Essa escolha é péssima; junte-se à DSA para que um dia possamos ter uma boa opção”.

Quando Trump venceu, a frustração e o descontentamento popular em relação ao Partido Democrata foram palpáveis quase imediatamente. E, pela primeira vez desde 2021, o DSA teve um crescimento líquido positivo no número de membros, que continua forte até hoje. Depois de diminuir para 64.000 membros em outubro de 2024, recentemente ultrapassamos os 80.000 membros. Desde novembro, novos membros têm comparecido às reuniões dos sindicatos locais em um nível sem precedentes desde a Covid. Suas inclinações políticas também são significativamente diferentes daquelas de ondas anteriores: eles estão em geral entusiasmados com a perspectiva de uma alternativa ao Partido Democrata.

No momento em que escrevemos este artigo, Zohran Mamdani acaba de vencer as primárias democratas para a prefeitura de Nova York. Muito será dito em outros lugares sobre o significado desse sucesso para o nosso movimento, mas trata-se inegavelmente de um evento marcante na história do DSA.

Além disso

Durante décadas, não se podia questionar o fato de que os democratas eram a única alternativa aos republicanos, mas hoje nós, socialistas, conversamos constantemente com pessoas comuns que estão cansadas e sedentas por novidades. Não é surpreendente que a ambição de criar um novo partido para a classe trabalhadora esteja atualmente no centro dos debates dentro do DSA.

No entanto, a classe trabalhadora americana terá dificuldade em aproveitar as oportunidades que se nos apresentam; estamos, desde sempre, tragicamente desorganizados. Décadas de medo dos vermelhos expulsaram os comunistas e socialistas do movimento dos trabalhadores, e associações de ativistas profissionais substituíram as verdadeiras organizações políticas estabelecidas. A maioria dos movimentos de protesto populares negligencia completamente a tarefa de reunir os trabalhadores em uma formação capaz de perdurar e se desenvolver além das mobilizações pontuais.

É por isso que, apesar de todos os nossos desafios e limitações, um DSA dinâmico, democrático, pluralista e politicamente independente é tão necessário para abrir caminho para a próxima era da história da classe trabalhadora dos Estados Unidos.

6 de agosto de 2025

(*) Laura Wadlin é membro do Comitê Político Nacional do DSA (2023-2025) e membro do grupo Bread and Roses. Ela ensina inglês no Portland Community College e é delegada sindical.

Este artigo, publicado pelo The Call, é uma versão modificada de um documento que consta do recente livro A User’s Guide to DSA (Labor Power Publications, 2025).  

 

 

 

   

المؤلف - Auteur·es

Laura Waldin

Laura Wadlin est membre du Comité politique national de DSA (2023-2025) et membre du groupe Bread and Roses. Elle enseigne l’anglais au Portland Community College et est déléguée syndicale.